Relator de estudo aprovado na Câmara sobre os agrotóxicos, deputado Padre João (PT-MG) fala sobre o enfrentamento ao uso de venenos e a necessidade de pressão sobre o governo
Joana Tavares, de Belo Horizonte (MG)
No final do ano passado, a Comissão de
Seguridade Social e Família, da Câmara dos Deputados, aprovou um
relatório que destrincha os malefícios do uso indiscriminado de
agrotóxicos no país. Constituído após visitas a comunidades, estudos e
reuniões com diversos setores da sociedade – desde os movimentos sociais
até representantes das transnacionais – o relatório é visto pelo
relator, deputado federal Padre João (PT), como um passo importante para
a constituição de uma política de enfrentamento à questão, que envolve a
discussão do modelo econômico e a aprovação de medidas que garantam a
implementação da agroecologia. Nesta entrevista ao Brasil de Fato,
o deputado fala ainda da articulação de uma frente parlamentar para o
enfrentamento aos agrotóxicos, denuncia o interesse das grandes empresas
sobre as sementes – o que pode significar uma dependência ainda maior
aos venenos no futuro – e analisa o “modelo perverso” que o PSDB
implementou em Minas Gerais.
Brasil de Fato – Quais foram os
principais elementos que o relatório aprovado pela Comissão de
Seguridade Social e Família trouxe para a questão dos agrotóxicos?
Padre João – Até mesmo
antes do relatório, a grande conquista foi termos a garantia de um
espaço institucional para o debate, que durou seis meses na Câmara, na
perspectiva de produzir um documento – que é esse relatório –
questionando, levando em conta os impactos do agrotóxico no meio
ambiente, na saúde dos trabalhadores e da população como um todo. Esse é
o maior ganho que nós brasileiros tivemos, independente de não termos
tido todos os avanços que gostaríamos em relação a uma linha de
enfrentamento aos agrotóxicos. O que está no relatório são dados que vêm
de todos os setores, que não podem ser questionados. Fechamos qualquer
porta para que fosse questionada a veracidade do que está lá. Ele é
fruto de todos os segmentos da sociedade, desde os produtores, quem
utiliza, os órgãos de governo e os movimentos sociais, que tiveram um
papel muito importante por puxar essa temática no campo, na cidade e nos
espaços institucionais. O que constatamos pode ser óbvio pra muitos.
Mas nas visitas técnicas, ouvindo as comunidades, não dá pra ter dúvida
do nexo entre os agrotóxicos e uma série de doenças, como o câncer,
deficiência renal, perda do rim, doenças de pele, depressão e até
suicídio.
Outra questão, de menor relevância, é a
das embalagens, que as empresas dizem que recolhem e não é verdade,
muito menos da metade é recolhida. Mas é claro que o verdadeiro
problema, muito mais complexo é o conteúdo da embalagem. Outro problema
sério é a receita agronômica. A maior parte dos agricultores não tem
esse acompanhamento, não existem nas lojas agrônomos que acompanham e
orientam. Se a gente cruza os dados do IBGE – que diz que o índice de
analfabetos no campo chega a 20, 25% – vemos que é justamente esse
público que vem lidando com um produto perigoso. Além de não conseguir
ler, eles não têm uma orientação. É muito grave essa situação. Problema
muito grave são as subnotificações. Os nossos profissionais de saúde não
estão preparados para identificar de fato uma intoxicação oriunda de
agrotóxico, aguda e, principalmente, crônica, para fazer a investigação.
Estamos pressionando o Ministério da Saúde, através da Anvisa, para
cobrar capacitação e buscar a precisão. Existem até projetos de lei
nessa linha – apesar de todo carinho e respeito que temos por qualquer
trabalhador, sobretudo pelo trabalhador público – de criminalizar quem
for omisso nesse processo. Porque tivemos depoimentos de que não se
trata, muitas vezes, de uma maior qualificação, mas de um sistema de
pressão. Porque os fazendeiros tomam conta, monitoram tudo e manipulam
tudo, impedindo que se notifique como intoxicação no trabalho.
Desde a divulgação do
relatório, no final do ano passado, o que tem avançado em políticas
públicas de enfrentamento ao agronegócio?
Uma conquista de toda essa luta é a
constituição de um grupo de trabalho pela Secretaria-Geral da
Presidência, um grupo interministerial. Estamos cobrando a agenda de
trabalho desse grupo, para fazer uma interação entre ele, os movimentos
sociais e a Câmara, o que será possível através de uma frente
parlamentar que estamos organizando, que abre para a participação de
todos os deputados. Queremos que ela seja mista, para que os senadores
também possam participar. Será uma série de ações, desde o
acompanhamento de cada projeto que tramita sobre o assunto, daqueles que
insistem em importar venenos, inclusive de países que já proibiram seu
uso. A frente parlamentar vai ter uma agenda tensa, complexa e cheia.
Mas a correlação de forças no Congresso é perversa. Somos poucos que têm
essa convicção. O que está por trás é o poder econômico, que financiou
campanhas. Essa minoria que tem poder econômico tem a maioria no
Congresso, consegue aprovar o que quer e deixa de aprovar muitas coisas
que não são de seu interesse. Essa distorção grave tem que ser
corrigida, com a reforma política, com financiamento público de
campanhas.
Essa frente parlamentar já está atuando?
Estamos com regimento, estatuto, já
tivemos várias reuniões com movimentos sociais do campo. A frente
possibilita essa interação entre o institucional e os movimentos
sociais. Um papel muito importante da frente é pressionar o governo –
que entendo que é nosso, precisa ser disputado para que seja nosso de
fato – para avançar na política agroecológica. Não resolve fazer o
enfrentamento dos agrotóxicos e colocar algo no lugar, ou resgatar algo,
na linha do fortalecimento da agricultura familiar e da agroecologia.
Primeiro precisamos fazer uma autocrítica: precisamos garantir que o
modelo da agricultura familiar seja diferenciado na forma de produção,
não só no tamanho da propriedade.
Temos percebido que as grandes empresas
adquirem outras do setor, as seis grandes – Basf, Bayer, Dow, Dupont,
Monsanto e Syngenta – controlam centenas de outras menores. E agora elas
têm adquirido não empresas de agrotóxicos, como era a lógica anterior,
mas empresas de sementes. Então em pouco tempo elas terão toda a
concentração de sementes. Isso é gravíssimo. Já foi um retrocesso a
ruptura das sementes crioulas para as sementes híbridas, que tirou do
agricultor familiar o grande poder de produzir a própria semente,
elevando o custo da produção e tornando-o dependente. Agora a lógica é
ainda mais perversa, com a semente transgênica. Essas sementes já vêm
programadas para depender de venenos. Aí volta o ciclo da retomada do
agrotóxico. Precisamos de uma política efetiva de banco de sementes, uma
organização dos agricultores nessa linha, para não ficarmos reféns por
décadas e décadas dessas multinacionais. Esse é o ponto, na minha
opinião, mais importante para nossa atuação agora, tanto dos movimentos
sociais, como da Frente Parlamentar. Estamos com a expectativa de a
presidenta lançar em junho uma política nacional de agroecologia, antes
da Rio+20, mas precisamos trabalhar melhor, para que não seja
simplesmente um decreto, com várias iniciativas perdidas entre os
ministérios. Essas políticas precisam estar articuladas. Esta tem sido a
tarefa de alguns deputados do PT, reunidos no que chamamos de núcleo
agrário. Nessa linha de enfrentamento do uso de agrotóxicos e também da
nossa opção, da agroecologia, temos um conjunto de projetos de lei, que
estaremos acompanhando.
Como o senhor vê a campanha “Veta, Dilma” e qual a possibilidade de a presidenta vetar o Código Florestal?
Para o mundo, se ela der um veto total,
ela será muito aplaudida. Mas confesso que o veto total, nessa
conjuntura, seria um equívoco. Acho que basta o veto parcial, para
corrigir as distorções que tiverem numa linha favorável ao desmatamento,
à impunidade. Porque o veto total traz uma insegurança para todos,
inclusive para os pequenos, e pode dar um tempo para o agronegócio
avançar no desmatamento. Acho que o veto parcial corrige bastante os
problemas e coloca o país numa situação melhor que a atual.
Qual sua avaliação do governo PSDB em Minas Gerais e o que significaria uma candidatura de Aécio Neves à presidência?
O modelo do governo Aécio e Anastasia –
que é o mesmo, o Anastasia era secretário importante do governo Aécio
desde o início – está claro que é um modelo falido, um modelo perverso.
Ele arrebenta com os servidores públicos, não garante que as políticas
cheguem à ponta, vem sacrificando as prefeituras.
E a maioria dos prefeitos é omissa,
conivente com esse governo que joga para suas costas as políticas e
cobra pela atuação das empresas públicas, como Copasa, Emater, Cemig,
Epamig. E com tudo isso o governo PSDB teve a capacidade de quadruplicar
a dívida do estado nesses anos. Não dá pra entender esse choque de
gestão: sacrifica todos e quadruplica a dívida. Fomos surpreendidos
nesse mês com um Termo de Ajustamento de Gestão (TAG), feito pelo
governo do Estado e pelo Tribunal de Contas, fazendo uma nova tabela
para os investimentos na saúde e educação. O governo confessa que nunca
investiu os 12% do orçamento na saúde e os 25% na educação. Ele faz uma
tabela de previsão de gastos: em 2012, vai gastar 9,68% na saúde e
22,82% na educação. Em 2013 um pouco mais, e somente em 2014 vai
investir os 12% na saúde e os 25% na educação, como reza a constituição.
Esse TAG é uma coisa absurda, inconstitucional. Mostra que de fato o
Estado está falido e mostra o desrespeito que eles têm para com a
Assembleia Legislativa, com a Constituição, com o povo mineiro. Para
qualquer brasileiro inteligente, o projeto de Aécio à presidência está
falido, não se sustenta mais. A máscara rasgou. Não precisa ser analista
político para chegar a essa conclusão, basta comparar como era no
início dos anos 2000 com o que é hoje. Acho que a ficha do Aécio já
caiu, porque ele está um zero à esquerda no Senado. Acredito que ele não
vai ter a coragem de disponibilizar o seu nome para a Presidência.
http://www.brasildefato.com.br/node/9659
Enviado por Tania Pacheco: http://racismoambiental.net.br/2012/05/precisamos-tensionar-para-avancar-na-politica-agroecologica/#.T8DV4VRD154.facebook
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