domingo, 10 de agosto de 2014

Privatização do estado brasileiro: é o que quer a Confederação Nacional da Agricultura (CNA)

Privatização do estado brasileiro: é o que quer a Confederação Nacional da Agricultura (CNA)

Atenção: o agronegócio, por meio da CNA, está preparando uma verdadeira privatização do Estado brasileiro. Isto ficou claro nas reivindicações apresentadas pela Confederação no documento “O que esperamos do próximo presidente 2015-2018” entregue ontem aos três principais candidatos à presidência, Dilma, Aécio e Eduardo Campos. 

Senão, vejamos:

REIVINDICAÇÃO: “Ampliação de instrumentos de gerenciamento de riscos na agropecuária que assegurem rentabilidade compatível com a de outros setores da economia”; 
TRADUÇÃO: querem que paguemos pela ineficiência dos pecuaristas brasileiros que mantêm, em média, menos de uma cabeça por hectare em seus pastos.

REIVINDICAÇÃO: “Política agrícola diferenciada para as regiões Norte e Nordeste; para os produtores que enfrentam a concorrência de produtos oriundos do Mercosul”; 
TRADUÇÃO: os caras se instalam em regiões não competitivas ou são incompetentes frente a seus concorrentes e querem que paguemos por isto por meio das tais “políticas diferenciadas”.

REIVINDICAÇÃO: “Aceleração dos investimentos e da concessão de trechos rodoviários utilizados no escoamento da produção agropecuária, observando o menor custo para o usuário”; 
TRADUÇÃO: os caras se metem na Amazônia ou lá no fundão do cerrado, desmatam afetando comunidades tradicionais e indígenas, destroem a biodiversidade e emitem um montão de gases de efeito estufa e, depois, querem que paguemos os investimentos para que a produção seja levada aos mercados com o menor custo possível para eles mesmos.

REIVINDICAÇÃO: “Estabelecimento de um novo marco regulatório para registro e reavaliação de agroquímicos e fertilizantes” e “Criação de um colegiado técnico para reduzir a ingerência ideológica nas análises e acelerar a conclusão dos processos dos agroquímicos”; 
TRADUÇÃO: não contentes em liderar a agricultura que mais consome agrotóxicos no mundo, o agronegócio quer leis que facilitem ainda mais a utilização de agrotóxicos e, mais, não querem ninguém com visão sistêmica entre aqueles que aprovam os agrotóxicos, só gente de “visão técnica” (tradução dentro da tradução, gente ligada ao agronegócio e às empresas produtoras de agrotóxicos).

REIVINDICAÇÃO: “Regulamentação da Emenda Constitucional nº 81” e “Revisão das normas que regulamentam o trabalho, como a NR 31 e a NR 15, observando as peculiaridades do setor agropecuário”; 
TRADUÇÃO: fica difícil uma tradução, dada a contradição entre as demandas, mas que tal uma pergunta que pode facilitar nossa interpretação? Lá vai: quem quer ao mesmo tempo regulamentar os critérios para definição de trabalho escravo e revisar exatamente as normas que o definem só pode estar querendo relaxar as regras atuais, concordam?

REIVINDICAÇÃO: “Participação de outros órgãos governamentais [além da FUNAI] na identificação e delimitação de terras indígenas, com assessoramento de equipes técnicas multidisciplinares e “Adoção de medidas que coíbam as invasões de terras por índios e garantam o cumprimento de reintegração de posse de terras invadidas”; 
TRADUÇÃO: precisa traduzir?

REIVINDICAÇÃO: “Preservação do direito de propriedade, segurança fundiária e paz no campo” e “Aprimoramento de instrumentos de prevenção de conflitos e de obtenção de terras, especialmente por meio da aquisição onerosa pelo governo”; 
TRADUÇÃO: chega de reforma agrária e, paguem as terras que um dia grilei.

REIVINDICAÇÃO: “Garantia efetiva do contraditório e da ampla defesa aos proprietários rurais nos processos de identificação e titulação de terras de remanescentes de comunidades de quilombos”; 
TRADUÇÃO: queremos gerar com nosso dinheiro longos processos que garantam nosso direito à terra quilombola.

REIVINDICAÇÃO: “Regularização fundiária em área rural, mediante a transferência das áreas da União aos estados da Amazônia Legal”; 
TRADUÇÃO: entreguem as terras de propriedade da União aos interesses políticos locais que controlamos mais facilmente.

REIVINDICAÇÃO: “Edição de um novo marco regulatório para viabilizar as atividades de empresas brasileiras de capital estrangeiro que já operam, ou venham a operar, em território nacional” e “Eliminação das restrições e limitações à aquisição ou arrendamento de terras para a produção rural, sem prejuízo de controles cadastrais que o governo considere prudente manter”; 
TRADUÇÃO: chega de restrições “ideológicas” ao grande capital internacional.

REIVINDICAÇÃO: “Regras claras e discussão com o setor rural para definição de novas áreas de proteção ambiental”; 
TRADUÇÃO: nós não queremos mais parques e unidades de conservação na Amazônia e no Cerrado, pra que? Mas se ainda assim vocês insistirem, terão que pedir nossa benção.

REIVINDICAÇÃO: “Compartilhamento da gestão ambiental pelos ministérios cujas ações envolvam questões ambientais, substituindo-se o sistema de comando e controle por um novo sistema de gestão ambiental”; 
TRADUÇÃO: chega de fiscais e multas ambientais, queremos incentivos monetários para cumprir o que a lei ambiental estabelece.

O documento da CNA pode ser acessado em: http://www.canaldoprodutor.com.br/sites/default/files/Sumario%20Executivo%20Proximo%20Presidente%202015-2018_WEB.pdf
de rerun natura: Privatização do estado brasileiro: é o que quer a ...

Agroecologia e o fornecimento de alimentos - Maria Emília Pacheco (CONSEA)



Enviado por Articulação Nacional de Agroecologia ANA

sexta-feira, 8 de agosto de 2014

Promessas de outro tipo de Transformação(III)

Dinâmica de fortalecimento no encontro do Fórum da Amazônia Oriental (FAOR) em Altamira (Rio Xingu antes da construção de Belo Monte, Pará, Foto:Vânia Carvalho

Leonardo Boff
Para pormos em curso outro tipo de Grande Transformação que nos devolta a sociedade com mercado e elimine a deletéria sociedade unicamente de mercado, precisamos fazer algumas travessias improstergáveis. A maioria delas está em curso mas elas precisam ser reforçadas. Importa passar:
-do paradigma Império, vigente há séculos para o paradigma Comunidade da Terra;
-de uma sociedade industrialista que depreda os bens naturais e tensiona as relações sociais para uma sociedade de sustentação de toda a vida;
-da Terra tida como meio de produção e balcão de recursos sujeitos à venda e à exploração para a Terra como um Ente vivo, chamado Gaia, Pacha Mama ou Mãe Terra;
-da era tecnozoica que devastou grande parte da biosfera para a era ecozoica pela qual todos os saberes e atividades se ecologizam e juntas cooperam na salvaguarda da vida.
-da lógica da competição de se rege pelo ganha-perde e que opõem as pessoas para a lógica da cooperação do ganha-ganha que congrega e fortalece a solidariedade entre todos.
-do capital material sempre limitado e exaurível, para o capital espiritual e humano ilimitado feito de amor, solidariedade, respeito, compaixão e de uma confraternização como todos os seres da comunidade de vida;
-de uma sociedade antropocêntrica, separada da natureza, para uma sociedade biocentrada que se sente parte da natureza e busca ajustar seu comportamento à lógica do processo cosmogênico que se caracteriza pela sinergia, pela interdependência de todos com todos e pela cooperação.
Se é perigosa a Grande Transformação da sociedade de mercado, mais promissora ainda é a Grande Transformação da consciência. Triunfa aquele conjunto de visões, valores e princípios que mais congregam pessoas e melhor projetam um horizonte de esperança para todos. Essa seguramente é a Grande Transformação das mentes e dos corações a que se refere a Carta da Terra. Esperamos que se consolide, ganhe mais e mais espaços de consciência com práticas alternativas até assumir a hegemonia da nossa história.
Há um documento acima citado a Carta da Terra por seu alto valor de inspiração e gerador de esperança. Ela é fruto de uma vasta consulta dos mais distintos setores das sociedades mundiais, desde os povos originários, das tradições religiosas e espirituais até de notáveis centros de pesquisa. Foi animada especialmente por Michail Gorbachev, Steven Rockfeller, o ex-primeiro ministro da Holanda Lubbers, Maurice Strong, sub-secretário da ONU e Mirian Vilela, brasileira que, desde o início coordena os trabalhos e dirige o Centro na Costa Rica. Eu mesmo faço parte do grupo e tenho colaborado na redação do documento final e de sua difusão por onde posso.
Depois de 8 anos de intensos trabalhos e de encontros frequentes nos vários continentes, surgiu um documento pequeno mas denso que incorpora o melhor da nova visão nascida das ciências da Terra e da vida, especialmente da cosmologia contemporânea. Ai se traçam princípios e se elaboram valores no arco de uma visão holística da ecologia, que podem efetivamente apontar um caminho promissor para a humanidade presente e futura. Aprovado em 2001 foi assumido oficialmente em 2003 pela UNESCO como um dos materiais educativos mais inspiradores do novo milênio.
A Hidrelétrica Itaipu-Binacional, a maior do gênero no mundo, tomou a sério as propostas da Carta da Terra e seus dois diretores Jorge Samek e Nelton Friedrich conseguiram envolver 29 municípios que bordeiam o grande lago onde vive cerca de um milhão de pessoas. Deram início de fato a uma Grande Transformação. Lá se realiza efetivamente a sustentabilidade e se aplica o cuidado e a responsabilidade coletiva em todos os municípios e em todos os âmbitos, mostrando que, mesmo dentro da velha ordem, se pode gestar o novo porque as pessoas mesmas vivem já agora o que querem para os outros.
Se concretizarmos o sonho da Terra, esta não será mais condenada a ser para a maioria da humanidade um vale de lágrimas e uma via-sacra de padecimentos. Ela pode ser transformada numa montanha de bem-aventuranças, possíveis à nossa sofrida existência e uma pequena antecipação da transfiguração do Tabor.
Para que isso ocorra, não basta sonhar, mas importa praticar.
Leonardo Boff escreveu A opção-Terra: a salvação da Terra não cai do céu, Record 2009.

http://leonardoboff.wordpress.com/2014/08/08/promessas-de-outro-tipo-de-transformacaoiii/