domingo, 27 de abril de 2014

O Veneno Está na Mesa 2 mostra que a saída é a agroecologia



Após impactar o Brasil mostrando as perversas consequências do uso de agrotóxicos em
O Veneno está na Mesa, o diretor Sílvio Tendler apresenta no segundo filme uma nova perspectiva.
O Veneno Está Na Mesa 2 atualiza e avança na abordagem do modelo agrícola nacional atual e de suas consequências para a saúde pública. O filme apresenta experiências agroecológicas empreendidas em todo o Brasil, mostrando a existência de alternativas viáveis de produção de alimentos saudáveis, que respeitam a natureza, os trabalhadores rurais e os consumidores. 


Com este documentário, vem a certeza de que o país precisa tomar um posicionamento diante do dilema que se apresenta: Em qual mundo queremos viver? O mundo envenenado do agronegócio ou da liberdade e da diversidade agroecológica?

Realização: Caliban Cinema e Conteúdo

Campanha Permanente contra os Agrotóxicos e pela Vida
Fiocruz
Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio
Bem Te Vi
Cineclube
Crisantempo

Tecendo alianças para uma vida sustentável. Consumo Crítico, feminismo e soberania alimentar



Enviado por Ana Dubeux da Rede de Economia Solidária

Vivemos tempos de Noé, por Boff


Vivemos tempos de Noé. Pressentindo que viria um dilúvio, o velho Noé convocava as pessoas para mudarem de vida. Mas ninguém o ouvia. A contrário, “comiam e bebiam, casavam-se e davam-se em casamento até que veio o dilúvio e os fez perecer a todos”(Lc 17,27; Gn 6-9).
Os 2000 cientistas do IPCC que estudam o clima da Terra são nossos Noés atuais. O terceiro e último relatório de 13/4/2014 contem grave alerta: temos apenas 15 anos para impedir a ultrapassagem de 2 graus C do clima da Terra. Se ultrapassar, conheceremos algo do dilúvio. Ninguém dos 196 chefes de Estado disse qualquer palavra. A grande maioria continua a explorar os bens naturais, negociando, especulando e consumindo sem parar como nos dias de Noé.
Entrevejo três graves irresponsabilidades: a geral e a específica e supina ignorância do Congresso norte-americano que vetou todas as medidas contra o aquecimento global; a manifesta má vontade da maioria dos chefes de Estado; e a falta de criatividade para montar as traves de uma possível Arca salvadora. Como um louco numa sociedade de “sábios” ouso propor algumas premissas. Se algum mérito possuírem, é o de apontarem para um novo paradigma civilizacional que nos poderá dar outro rumo à história. Ei-las:
1. Completar a razão instrumental-analítica-científica dominante com a inteligência emocional ou cordial. Sem esta não nos comovemos face à devastação da natureza e não nos engajamos para resgatá-la e salvá-la.
2. Passar da simples compreensão de Terra como armazém de recursos para a visão da Terra viva, superorganismo vivo que se autorregula, chamado Gaia.
3. Entender que, como humanos, somos aquela porção da Terra que sente, pensa e ama, cuja missão é cuidar da natureza.
4. Passar do paradigma da conquista/dominação ainda vigente, para o paradigma do cuidado/responsabilidade.
5.Entender que a sustentabilidade só será garantida se respeitarmos os direitos da natureza e da Mãe Terra.
6. Articular o contrato natural feito com a natureza que supõe a reciprocidade inexistente com o contrato social que supõe a colaboração e inclusão de todos, insuficiente.
7. Não existe meio-ambiente mas o ambiente inteiro. O que existe é a comunidade de vida com o mesmo código genético de base,estabelecendo um parentesco entre todos.
8.Abandonar a obsessão pelo crescimento/ desenvolvimento pela redistribuição da riqueza já acumulada.
9.Devemos produzir para atender demandas humanas mas sempre dentro dos limites da Terra e de cada ecossistema.
10.Pôr sob controle a voracidade produtivista e a concorrência sem limites em favor da cooperação e da solidariedade pois todos dependemos uns dos outros.
11.Superar o individualismo pela colaboração entre todos, pois esta é a lógica suprema do processo de evolução.
12. O bem comum humano e natural tem primazia sobre o bem comum particular e corporativo.
13.Passar da ética utilitarista e eficientista para a ética do cuidado e da responsabilidade.
14.Passar do consumismo individualista para a sobriedade compartida. O que nos sobra, falta aos demais.
15. Passar da maximização do crescimento para a otimização da prosperidade a partir dos mais necessitados.
16. Ao invés de permanentemente modernizar, ecologizar todos os saberes e processos produtivos visando tutelar os bens e serviços naturais e dar descanço à natureza e à Terra.
17. Opor   à era do antropoceno que faz do ser humano uma força geofísica destrutiva, pela era ecozóica que ecologiza e inclui todos os seres no grande sistema terrenal e cósmico.
18. Valorizar o capital humano/espiritual inexaurível sobre o capital material exaurível porque o primeiro fornece os critérios para as intervenções responsáveis na natureza e alimenta permanentemente os valores humano-espirituais da solidariedade, do cuidado, do amor e da compaixão, bases para uma sociedade com justiça, equidade e respeito à natureza.
19.Contra a decepção e a depressão provocadas pelas promessas não cumpridas de bem-estar geral feitas pela cultura do capital, alimentar o princípio-esperança, fonte de fantasia criadora, de novas ideias e de utopias viáveis.
20. Crer e testemunhar que, no fim de tudo, o bem triunfará sobre a mal, a verdade sobre a mentira e o amor sobre a indiferença. Um pouco de luz poderá espancar uma imensidão de trevas.
Leonardo Boff escreveu Opção Terra: a solução da Terra não cai do céu, Record, Rio 2010.



sábado, 26 de abril de 2014

A FASE-Amazônia/Fundo Dema implanta novo Fundo autônomo de mulheres rurais da Amazônia

Encontro em Santarém

FUNDO AUTÔNOMO DE 
MULHERES RURAIS DA AMAZÔNIA
‘Luzia, Dorothy do Espírito Santo’ é um novo fundo que está sendo estruturado para apoiar projetos socioambientais para grupos de mulheres no oeste paraense. 
O fundo é uma iniciativa da FASE-Programa Amazônia/Fundo Dema com apoio da Fundação Ford. É um FUNDO AUTÔNOMO DE MULHERES RURAIS DA AMAZÔNIA para apoiar projetos agroecológicos e sustentáveis e de fortalecimento das organizações de mulheres.  Todo o processo de implantação do Fundo está sendo discutido e definido com lideranças dos municípios de Alenquer, Belterra, Óbidos, Oriximiná e Santarém da região do Baixo Amazonas.


Estão participando da formação do fundo lideranças e assessoras de associações de mulheres e mistas, sindicatos de trabalhadores e trabalhadoras rurais, movimentos de mulheres, casa familiar rural, nossas agricultoras, agroextrativistas, pescadoras, quilombolas, indígenas. 
As lideranças escolheram o nome em homenagem a Luzia Fati, Dorothy Stang e Maria do Espírito Santo, mulheres guerreiras, lideranças exemplares que lutaram pelo fortalecimento dos povos da floresta na Amazônia e os direitos das mulheres.
Fotos: arquivo Fundo Dema





Projeto apoiado pelo Fundo Dema consegue parceria do Ideflor para reflorestamento de áreas de território quilombola em Monte Alegre

Mudas Monte Alegre (Foto: Reprodução/TV Tapajós)
Moradores da comunidade quilombola Peafu, em Monte Alegre, oeste paraense iniciam projetos de reflorestamento e recuperação de áreas de proteção permanente com o apoio do Ideflor e do Fundo Dema.
As famílias já receberam mudas de açaí, cupuaçu e andiroba e iniciaram os plantios. A doação e a formação faz parte do projeto “Produção de mudas frutíferas e essências florestais para recuperar área de preservação permanente” da Associação Hortoflorestal de Monte Alegre com o apoio do Instituto de Desenvolvimento Florestal do Pará (Ideflor), em parceria com a Secretaria Municipal de Agricultura (Semagri), Sindicato dos Trabalhadores e das trabalhadoras Rurais (STTR) e Comissão Executiva de Lavoura Cacaueira (Ceplac). 
O projeto apoiado pelo Fundo Dema é de recuperação de área de proteção permanente (APP), áreas de igapó e pântano da comunidade de PEAFÚ. É um projeto apoiado graças a parceria da FASE/Fundo Dema com o Fundo Amazônia. Está prevista a produção de 20.000 mudas de açaí e essências florestais nativas e a capacitação de 30 comunitários em manejo de açaizal nativo e plantado. Serão recuperados 30 hectares de APP e implantada uma Unidade Demonstrativa de 01 hectare na comunidade. Além de recuperar o meio ambiente, um dos objetivos é movimentar o Festival do Açaí, realizado na comunidade desde 1991.
“Juntamente com este projeto a gente aprovou um segundo, financiado pelo Fundo Dema, que é de construção do viveiro aqui. A gente está doando, ensinando a plantar, mas está ensinando eles a produzirem as mudas para no próximo inverno continuarem plantando, então vai melhorar o festival do açaí, vai melhorar uma série de atividades aqui na comunidade”- Itajury Kishi (coordenador do projeto).
Veja matéria completa e vídeo aqui:http://g1.globo.com/

(Foto: Reprodução/TV Tapajós)

sexta-feira, 18 de abril de 2014

Uma 'reforma agrária popular' que atenda as necessidades de todos, do campo e da cidade, com produção de alimentos sem venenos


Stédile: "O neodesenvolvimentismo chegou ao seu limite"  
Liderança do MST fala das diretrizes do movimento e reforma agrária
Por Léa Maria Aarão Reis
Da Carta Maior

"A reforma agrária fixa o homem no campo e desfaveliza o país". É a ideia central, hoje, do discurso que, com perseverança, põe em prática há 35 anos, o fundador e uma das lideranças mais expressivas do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), o economista gaúcho João Pedro Stédile, de 61 anos. Carismático, um dos pensadores de raiz marxista e dos ativistas de esquerda mais importantes do país, Stédile não hesita em dizer: "Perdeu-se a oportunidade histórica de fazer a chamada reforma agrária clássica no Brasil". Para ele, o importante agora é a luta resultante da aliança entre os trabalhadores do campo e os da cidade - os que farão a reforma agrária popular. E acrescenta: "A cidade grande é o inferno em vida para o camponês, pois sobra para ele a favela e a superexploração".

Gaúcho nascido na cidade de Lagoa Vermelha, região de agropecuária do nordeste do Rio Grande do Sul, nesta entrevista exclusiva à Carta Maior João Pedro relembra três datas seminais do MST, 17 de abril: o Dia Nacional da Luta pela Reforma Agrária, o Dia Mundial da Luta Campesina e os 18 anos do Massacre de Eldorado dos Carajás, no sul do Pará, quando 1500 trabalhadores rurais foram brutalmente agredidos pela Polícia Militar do estado e 18 trabalhadores foram por ela assassinados. Privatizações de terras, de acesso aos minérios – do subsolo do país -, de águas, fontes naturais, lençóis freáticos, e até do ar da Amazônia estão na pauta da nossa conversa assim como o tema do agronegócio: "A mídia é a arma para protegê-lo e aos seus lucros," lembra o líder do MST.

Carta Maior: Quais as mudanças nas ações do MST a partir deste ano?

Stédile: A reflexão coletiva no MST e na Via Campesina Brasil é a de que, no passado, estava posto um programa de reforma agrária que visava resolver o problema de terra de trabalho, e ao mesmo tempo desenvolver as forças produtivas, o mercado interno para a indústria nacional e assim participava do processo de desenvolvimento nacional.

Esse tipo de reforma agrária ficou conhecido como reforma agrária clássica. Ele se realizava quando havia condições de uma aliança tácita entre os camponeses que precisavam de terra e a burguesia industrial, que precisava de mercado interno. No Brasil, chegamos mais próximo dessa possibilidade na crise da década de 60 quando o governo Goulart apresentou um projeto de reforma agrária clássica, que era também revolucionário para a época. Ele apresentou o projeto dia 13 de março e caiu dia 1 de abril. Mais tarde, esse programa poderia ainda ter sido implementado na redemocratização do país, no governo Tancredo, quando José Gomes da Silva, nosso maior especialista em reforma agrária clássica foi presidente do Incra. Ele preparou um plano que previa assentar 1,4 milhões de famílias em quatro anos. Apresentou ao Sarney dia 4 de outubro e caiu dia 13 de outubro de 85. Quando Lula chegou ao governo também imaginávamos que esse programa poderia ser retomado. Mas aí o contexto econômico e político já era outro. E a reforma agrária clássica ficou nas calendas.

CM: A reforma agrária clássica, então, não tem mais sentido aqui no Brasil? E o que é projetado no lugar dela para que se cumpra, enfim, a justiça social e econômica no campo?

Como eu disse: a reforma agrária clássica visava resolver a questão do trabalho no campo e o desenvolvimento industrial com mercado interno. Nos tempos atuais, o que hegemoniza o capitalismo é o capital financeiro e as empresas transnacionais que controlam o mercado mundial de alimentos. Para essa classe dominante não interessa mais reforma agrária, de nenhum tipo, pois eles não precisam de mercado interno, nem de camponeses, nem de indústria nacional. E por isso estão implementando um novo modelo de controle da produção agrícola pelo capital, que é o agronegócio.

O agronegócio representa os interesses apenas dos grandes proprietários de terra, do capital financeiro e das empresas transnacionais. Um modelo baseado na monocultura, em que cada fazenda se especializa num só produto como soja, cana, pastagens ou eucalipto. (No Brasil de agora, 80% de todas as terras se dedicam apenas a esses cinco cultivos.) Em lugar de usar mão-de-obra eles fazem uso intensivo de máquinas agrícolas e de venenos, ambos controlados pelas empresas transnacionais. Destroem o meio ambiente, pois o único objetivo é o lucro máximo. E estão completamente dependentes do capital financeiro, que adianta o crédito para que comprem os insumos das empresas transnacionais - e assim se fecha o ciclo.

Meia dúzia de empresas fica com o lucro, e o povo fica desempregado e com passivo ambiental, que já está afetando o clima até nas cidades. Por isso, não interessa mais reforma agrária clássica para a classe dominante atual. E ela está inviabilizada para os camponeses. Então, nós temos levantado a tese da necessidade de lutar por um novo tipo de reforma agrária que chamamos de reforma agrária popular.

CM: O que você chama de "reforma agrária popular"?

Diante dessa nova realidade agrária, com o domínio do capital internacional e financeiro, fizemos um intenso debate dentro do MST que envolveu toda nossa militância, nossa base, intelectuais e professores, amigos, durante dois anos. E terminamos com a realização do evento do VI Congresso Nacional há menos de dois meses, em fevereiro deste ano onde aprovamos essa formulação da necessidade de uma reforma agrária popular.

Reforma agrária popular porque agora ela precisa atender não só as necessidades dos camponeses sem terra, que precisam trabalhar. Mas as necessidades de todo o povo. E o povo precisa de alimentos, alimentos sadios, sem venenos, precisa de emprego, precisa de desenvolvimento da agroindústria, precisa de educação e cultura. Então, o nosso programa de reforma agrária de novo tipo, parte da necessidade de democratização da propriedade da terra, fixando limites, e propõe a reorganização da produção agrícola, priorizando a produção de alimentos sem venenos. Para isso precisamos adotar e universalizar uma nova matriz tecnológica que é a agroecologia. E foi isso que pedimos ao Silvio Tendler para mostrar em seu novo documentário, O veneno está na mesa 2.

Como é possível e necessária a matriz da agroecologia para produzir alimentos sadios que beneficiam toda a população e evitam as enfermidades, sobretudo o câncer, provocado pelos alimentos contaminados por agrotóxicos. O Instituto Nacional do Câncer advertiu que, neste ano de 2014 teremos 526 mil novos casos de câncer entre os brasileiros. A maior parte deles de mama e de próstata. Precisamos uma reforma agrária que valorize a vida no interior, gerando emprego para jovens. E para isso propomos a implantação de milhares de pequenas agroindústrias na forma de cooperativas que vão dar emprego a milhões de jovens que precisam estudar. Propomos a democratização da educação para que todos tenham os mesmos direitos e oportunidades sem sair do meio rural.

CM: Você tem denunciado que nesse modelo do agronegócio privatiza-se até o ar. Como é isso?

De fato, entre as características desse novo modelo do capital, é que este, agora mais poderoso, pois é dominado pelo capital financeiro e pelas empresas transnacionais, quando chega à agricultura, eprocura se apropriar de todos os recursos naturais para tirar lucro máximo.

Em períodos de crise capitalista no hemisfério norte, como o que estamos vivendo, essa necessidade deles aumenta, pois a apropriação privada dos recursos naturais, seja terra, minérios, água, energia elétrica, é fonte inesgotável de uma renda extraordinária, mais além da exploração do trabalho. Pois os recursos estão na natureza, e eles, ao se apropriarem desses recursos, colocam no mercado a preços bem acima do seu valor, medido pelo custo de produção.

Para isso, desde a implantação da hegemonia do neoliberalismo, foram impondo condicionamentos jurídicos, em todos os países do mundo, sob orientação dos Estados Unidos e dos organismos internacionais a seu serviço, como FMI, OMC, Banco Mundial, para garantir a propriedade privada de bens da natureza. Então, pela lei de patentes (aprovada em 1995), eles agora podem ser donos das sementes. Para isso fazem mudanças genéticas e dizem que é um novo ser vivo, transgênico, produzido em laboratório. Privatizaram as águas. Seja nos lençóis freáticos, seja nas fontes naturais. Privatizaram o acesso aos minérios.

CM: As riquezas do subsolo do país, propriedade da população e que deveriam estar a serviço do povo não escaparam desse processo de espoliação.

O Brasil concedeu, nos últimos anos, sob a gestão da velha Arena, que até hoje não largou a teta do Ministério de Minas e Energia, mais de oito mil licenças de mineração no nosso subsolo para empresas privadas que deveriam estar a serviço de todo povo. E agora, como você disse, estão tentando privatizar o oxigênio produzido pelas florestas nativas. Medem pelo GPS a quantidade de oxigênio produzido pelas florestas, emitem um documento que estabelece certo valor e isso se converte em dólares como crédito de carbono que é vendido na Europa para as empresas poluidoras se justificar e assim continuarem poluindo. Aqui, no Brasil, até a empresa Natura está praticando isso.

CM: Como agem as transnacionais dessa área no Brasil, hoje?

Para se ter uma ideia, por outro lado, em termos de valores, da crise mundial de 2008 para cá entraram no Brasil mais de 200 bilhões de dólares que foram aplicados em recursos naturais. Somente no setor sucroalcoleiro, que era propriedade da tradicional burguesia nacional, agora apenas três empresas transnacionais (Cargill, ADM e Bungue) controlam mais de 50% de todo setor.

CM: Muito importante você enfatizar estes temas: mudança de parâmetros da agricultura no país e uma agricultura voltada para a produção de alimentos. Quais os novos parâmetros?

Nossa análise coletiva considera que a organização da produção de alimentos e dos produtos agrícolas tem que estar submetida a outros parâmetros. Os capitalistas, com seu modelo do agronegócio, fundam sua ação baseados apenas no paradigma da produção de mercadorias para o mercado mundial, na busca incessante do lucro máximo, do aumento da produtividade do trabalho e da produtividade física de cada palmo de terra.

Nós queremos reorganizá-la baseada em outros parâmetros. Baseados na história da civilização que sempre viu os alimentos como um bem - e não como mercadoria. Visão de que todos os seres humanos têm direito a se alimentar. Na produção agrícola em equilibro com a natureza, e não contra ela. E, sobretudo, organizando a produção para dê trabalho para as pessoas, para que elas tenham renda e possam viver em boas condições e felizes, no interior, sem cair na ilusão de que somente serão felizes se vierem para a cidade grande. Cidade grande é o inferno em vida para o camponês. Pois sobra para ele apenas a favela e a superexploração.

CM: Mas e a bancada ruralista, com trânsito livre nos palácios de Brasília... e o agronegócio - não aceitam esses parâmetros...

Claro, eles são os porta-vozes da classe dominante. Os capitalistas, para manterem seus altos lucros no campo espoliam a natureza e expulsam o povo do interior e se protegem num estado burguês, que é o estado brasileiro. Protegem-se fazendo leis apenas para seus interesses, como fizeram nas mudanças do código florestal etc. Protegem-se com o seu poder judiciário que é o poder ainda monárquico, que inviabiliza as desapropriações para reforma agrária, que impede a legalização das terras indígenas e de quilombolas, que impede inclusive as desapropriações das fazendas com trabalho escravo, como determina a Constituição - mas que eles não cumprem.

E tudo isso é respaldado pela mídia televisiva, sobretudo a Globo, a Bandeirantes, SBT, que manipulam todos os dias o nosso povo para lhes dizer que o agronegócio é a única solução. Que o agronegócio é que sustenta o Brasil, quando é justamente o contrário. A mídia é a arma ideológica para proteger o agronegócio e seus lucros.

CM: Como se dará a mudança do foco das ações, deslocado para o urbano? Como é esta aliança do MST com as cidades?

O nosso programa de reforma agrária popular implica agora em envolver todo o povo, pois ela não interessa apenas aos sem-terra. E, portanto, temos que explicar ao povo, à classe trabalhadora que a reforma agrária é necessária para ele se alimentar melhor, de forma sadia, sem venenos. Que o programa de agroindústrias vai dar emprego, que universalizar a educação no interior vai gerar milhões de empregos para educadores etc.

Esta aliança vai se fazendo através da construção de uma consciência coletiva de todas as classes trabalhadoras. Por um plano de lutas conjunto que envolva a todos na luta por mudanças sociais. E, sobretudo, num programa político de mudanças para o país que unifica todos os setores da classe trabalhadora da cidade e do campo.

Tudo isso leva tempo, exige energias, mas é o caminho para construirmos verdadeiras mudanças na cidade e na agricultura. Para isso teremos que travar muitas batalhas, passar por muitos "pedágios" que a classe dominante vai nos impor.

CM: E as cidades? A cidade virou um grande negócio que alija os mais pobres cada vez mais para os seus confins. Mas como mudar isto? 

Os territórios urbanos, as cidades e suas periferias também estão sendo vitimas desse modelo do grande capital que igualmente quer a renda extraordinária nas cidades, conquistada através da especulação sobre os preços dos prédios, dos terrenos, dos espaços urbanos. A diferença entre o valor real de uma casa, de uma praça, de um prédio, e o preço de mercado, que eles impõem, é que representa a renda da qual eles se apropriam e que toda sociedade acaba pagando.

Pior, os trabalhadores acabam sendo expulsos para as periferias de uma maneira permanente, e ali os transportes públicos não chegam. Ou foram privatizados. Ou são caríssimos. Por isso, a bandeira de luta de tarifa zero para os transportes públicos em todas as grandes cidades é mais do que justo e é necessária.

A par de tudo isso, como tem defendido nossa querida professora Ermínia Maricato, somente uma grande reforma urbana que devolva ao povo o direito de usar a sua cidade. As cidades foram usurpadas do povo, e agora pertencem apenas aos especuladores, aos bancos e à indústria automobilística.

CM: O mais recente governo do PT foi decepcionante?

Os governos Lula e Dilma não foram governos do PT, nem da classe trabalhadora. Foram governos de composição de classe, que gerou um programa de governo do neodesenvolvimentismo, que se propunha a fazer a economia crescer, distribuir renda e retomar o papel do estado suplantando o mercado (dos tempos do neoliberalismo). Nesse sentido eles cumpriram o programa, e nesse programa todas as classes ganharam um pouco, sendo que, como diz o próprio Lula, os banqueiros foram os que mais ganharam.

Mas esse programa e essa composição de classes, na opinião dos movimentos sociais, bateram no teto. E agora já não conseguem mais resolver os problemas fundamentais do povo que ainda padece com falta de moradia digna, emprego qualificado, acesso à universidade, e transporte público civilizado. As manifestações do ano passado foram o sinal de que o modelo do neodesenvolvimentismo chegou ao seu limite.

E como disse antes, espero que os setores organizados da classe trabalhadora construam um programa unitário de mudanças, e retomem a iniciativa das mobilizações de massa. Isso permitiria termos, no futuro, governos também populares, que possam fazer as mudanças estruturais de que precisamos. Por ora, os movimentos sociais de todo país construíram uma unidade em torno da necessidade de uma reforma política que devolva ao povo a soberania para escolher seus representantes.

Já que, no regime atual, as empresas sequestraram as eleições. Veja: segundo o TSE, em torno de 2262 empresas gastaram mais de 4,6 bilhões de reais, nas últimas duas eleições sendo que 80% desses recursos foram de apenas 117 empresas. Ou seja, o novo colégio eleitoral que decide quem deve ser eleito, são essas 117 empresas que usam o dinheiro para elegê-los. Isso precisa mudar, para salvar uma democracia frágil e capenga. Então, a necessidade urgente de uma reforma política. Para tanto, será necessário convocar uma assembléia constituinte soberana (na forma de ser eleita) exclusiva para essas mudanças.

CM: Mas a força do MST está intacta - ou não? Vinte mil trabalhadores foram protestar defronte do Planalto, dois meses atrás. Acabaram sendo recebidos pela Presidenta Dilma.

O MST é uma pequena parcela do conjunto das forças populares do povo brasileiro. Nós temos procurado nos manter unidos, resistindo à avalanche do capital e mantendo nossos projetos de mudança. Outros setores da classe, influenciados pela pequena burguesia ou pela mídia, foram derrotados em seus projetos. Levamos nossos 15 mil militantes ao VI Congresso, como um espaço de unidade e de celebração de nossa mística da mudança. Por isso, fomos recebidos pela Presidenta, e apresentamos nossas idéias, sem ilusões. As mudanças não vêm de palácios; vêm das ruas e de um povo consciente e organizado; sempre foi assim na historia da humanidade. E nós vamos seguir esse caminho.

CM: Esta semana, dia 17 de abril, mais uma vez é lembrada a data dos 18 anos do Massacre de Eldorado dos Carajás, quando 1500 trabalhadores sem terra foram brutalmente agredidos pela Polícia Militar do Pará e 18 deles cruelmente assassinados por agentes daquela PM. Como está a situação do processo de punição dos policiais que participaram da ação criminosa? Como o MST está agindo sobre o assunto?

Nunca mais poderemos esquecer aquele 17 de abril de 1996, sendo presidente Fernando Henrique, quando a Polícia Militar do Pará, financiada pela empresa Vale, assassinou cruelmente 19 companheiros nossos. Posteriormente, outros dois vieram a falecer e há ainda até hoje 69 feridos, com sequelas graves.

O processo judicial se arrasta até os nossos dias. Apenas os dois comandantes foram condenados a mais de 200 anos de prisão. Porém apelaram, e estão em prisão domiciliar num quartel da PM de Belém, em apartamentos com todas as regalias de oficiais. Tradicionalmente, todos os anos repetimos, no mesmo local, um grande acampamento com a nossa juventude do MST da regional amazônica, para que os nossos jovens não se esqueçam, e ajudem a lutar por justiça e por reforma agrária.

Em todo Brasil vamos fazer manifestações, cultos ecumênicos, e protestar perante o poder judiciário, que protege descaradamente apenas os interesses dos ricos e fazendeiros do país. Entre as suas reformas estruturais, o Brasil precisa de uma reforma do judiciário que democratize e coloque esse poder sob controle da sociedade. Haja visto como se comporta o imperador Joaquim Barbosa, com suas estripulias, megalomanias e diárias em tempos de férias. Ainda bem que ele comprou um apartamento em Miami, e imagino que seu sonho é ir morar lá...

Em todo mundo, nos mais de cem países em que a Via Campesina está organizada haverá manifestações, pois esse dia 17 de abril foi declarado Dia Mundial da luta camponesa. E até aqui no Brasil, envergonhado, no último ano de seu governo, FHC assinou um decreto, declarando o dia 17 de abril, Dia Nacional de Luta pela Reforma Agrária. Então, nesse dia, é até legal você lutar pela reforma agrária.


Regularização fundiária na pauta dos movimentos sociais

A mais recente edição do periódico "Série de Entrevistas sobre a Amazônia" da Fase Amazônia discute titulação de terras com Girolamo Domenico Treccani. Confira a entrevista completa:

quinta-feira, 17 de abril de 2014

Brasil é o país mais perigoso para quem defende a terra e o meio ambiente



Da CPT
 
“É necessário tomar medidas urgentes para questionar a impunidade dos responsáveis, proteger os cidadãos e combater as causas de raiz da crise ambiental” defende a ONG de direitos humanos Global Witness, em relatório divulgado nesta terça-feira (15 de abril de 2014).

O documento aponta que o Brasil é o país mais perigoso para quem defende o direito à terra e do meio ambiente, registrando 448 assassinatos, cerca de metade das mortes em todo o mundo entre 2002 e 2013. Confira o relatório na íntegra (em inglês) em anexo, e o capítulo referente às análises do Brasil (em português), também em anexo.

As mortes de pessoas que protegem o ambiente e o direito de utilização de terras sofreram um aumento acentuado entre 2002 e 2013, devido à intensificação de disputas por recursos naturais, de acordo com um novo relatório da Global Witness. Durante este período, há conhecimento de 908 mortes, relacionadas com disputas relativas à exploração industrial de florestas, minas e direitos de utilização de terras, como principais fatores. As áreas geográficas mais afetadas são a América Latina e Ásia-Pacífico.

Publicado no 25.º aniversário do assassinato do seringueiro e ativista ambiental brasileiro Chico Mendes, o relatório Deadly Environment destaca uma enorme falta de informação e monitorização destes problemas. Isto significa que o número de mortes é provavelmente superior aos números documentados no relatório, mas mesmo com apenas estes dados conhecidos, a violência está ao nível da incidência mais visível de jornalistas mortos no mesmo período.

Este déficit de atenção aos crimes ambientais e contra os defensores dos direitos da terra tem alimentado níveis endêmicos de impunidade, sendo que pouco mais de um por cento dos autores dos crimes conhecidos é condenado.

“Isto significa que é da maior importância proteger o ambiente e também que nunca foi tão perigoso fazê-lo” – afirma Oliver Courtney da Global Witness. “Poucos serão os sintomas mais graves e mais óbvios da crise ambiental do planeta do que um aumento dramático das mortes de cidadãos comuns que defendem os seus direitos à terra ou ao ambiente.

Todavia, este problema que se agrava a cada minuto, passa despercebido à maior parte da população, e os responsáveis quase sempre ficam impunes. Esperamos que as nossas investigações sirvam para despertar a consciência dos governantes de todos os países e da comunidade internacional, algo fundamental para esta questão”.

São estas as principais conclusões do relatório Deadly Environment:

- Pelo menos 908 pessoas foram assassinadas em 35 países, entre 2002 e 2013, por tentarem proteger os direitos à utilização da terra e ao ambiente. Estes números aumentaram nos últimos quatro anos, com uma média de dois ativistas mortos por semana.

- 2012 foi o pior ano de sempre para os ambientalistas, com 147 mortes – quase três vezes o número de mortes de 2002.

- A impunidade é a regra para estes crimes: foram condenados apenas 10 criminosos entre 2002 e 2013 – pouco mais de um por cento da incidência geral de homicídios.

- O problema é particularmente grave na América Latina e no Sudeste Asiático. O Brasil é o lugar mais perigoso para defender o direito de utilização de terras e o ambiente, com 448 assassinatos, seguido das Honduras (109) e das Filipinas (67).

O problema é agravado pela falta sistemática de monitorização ou informação. Quando os casos são registrados, são frequentemente analisados de forma isolada ou tratados como um subconjunto de outros direitos humanos ou questões ambientais. Muitas vezes, as próprias vítimas não conhecem os seus direitos ou não conseguem fazer prevalecer os mesmos, devido à falta de recursos existente nos locais remotos e perigosos onde vivem.

John Knox, especialista independente das Nações Unidas em direitos humanos e ambiente, afirma: “Os direitos humanos só ganham significado se as pessoas forem capazes de exercê-los. Os defensores dos direitos humanos ambientais trabalham para garantir que vivemos em condições que nos permitem desfrutar dos nossos direitos básicos, entre os quais o direito à vida e à saúde. A comunidade internacional terá de fazer mais para proteger essas pessoas da violência e perseguição de que são alvo.”

As comunidades indígenas são as mais afetadas. Em muitos casos, os seus direitos à terra não são reconhecidos pela lei nem na prática, deixando-as expostas à exploração por interesses econômicos poderosos, pelos quais são catalogadas de “antidesenvolvimento”. Em muitos casos, só têm conhecimento de um negócio contra os seus interesses quando as retroescavadoras chegam aos seus respectivos territórios e florestas.

Os direitos à terra constituem o cenário da maior parte das mortes de que temos conhecimento. Empresas e governantes celebram habitualmente negócios secretos para destinar grandes áreas de terra e florestas a culturas de rendimento como borracha, óleo de palma e soja.

Pelo menos 661 (mais de dois terços) das mortes ocorrerem no contexto de conflitos relacionados com a propriedade, o controlo e a utilização de terras, em conjunção com outros fatores. O relatório debruça-se em detalhe sobre a situação no Brasil, onde as disputas de terras e a exploração industrial de florestas são as principais causas, e nas Filipinas, onde a violência está, sobretudo, relacionada com o setor de mineração.

“O rápido agravamento da situação parece estar escondido à vista de todos, e este aspecto tem de mudar. 2012, o ano em que foi realizada a última Cúpula do Rio, foi o ano mais mortífero de que há registro. Os participantes que vão reunir este ano nas conferências sobre o clima no Peru devem estar atentos a estes sinais: a proteção do ambiente nos dias de hoje tornou-se o principal campo de batalha pelos direitos humanos.
 


Enquanto os governantes discutem o texto dos novos acordos mundiais, em nível local, um número cada vez maior de pessoas em todo o mundo arrisca a vida para proteger o ambiente” – afirma Andrew Simms, da Global Witness. “A menos que a comunidade internacional tome medidas urgentes, mais pessoas, que devíamos homenagear como heróis, perderão a vida.”

O relatório sublinha também o fato de o aumento do número de vítimas constituir a face mais grave e mensurável de um conjunto de ameaças, entre as quais a intimidação, violência, estigmatização e criminalização. O número de mortes aponta para um nível ainda muito superior de violência e intimidação, não documentada neste trabalho de investigação, mas que requer medidas urgentes e eficazes.

A Global Witness reclama esforços mais concentrados e coordenados no sentido de monitorar e enfrentar esta crise, começando por uma resolução do Conselho dos Direitos Humanos das Nações Unidas, para enfrentar a crescente ameaça com que se deparam os defensores ambientais e dos direitos de utilização da terra.
 


Da mesma forma, os organismos regionais de direitos humanos e governantes dos diferentes países devem acompanhar de forma adequada os abusos contra os ativistas e os assassinatos, devendo garantir que os responsáveis sejam levados à justiça. As empresas devem monitorar de forma eficaz as suas operações e cadeias de fornecimento, no sentido de garantir as boas práticas e a ética.

 Enviado peloMST

quinta-feira, 10 de abril de 2014

Foto da semana...mulheres recuperando áreas degradadas na Amazônia....

Rosângela e Zaíra dando o toque final no viveiro de mudas

Mulheres montando viveiro de mudas para recuperação de áreas degradadas com implantação de sistema agroflorestal no Trairão (oeste paraense). 

Mais um projeto apoiado pelo Fundo Dema, na parceria entre a FASE e o Fundo Amazônia.

O projeto é da Associação dos Agricultores Familiares do Batata, uma comunidade de agroextrativistas que está lutando também para acessar o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) e comercializar seus produtos nativos da Amazônia nas escolas do município do Trairão. Todos tem a ganhar com a melhoria da segurança alimentar na agricultura familiar.

Foto enviada por Zaíra Rodrigues, liderança local e 'dinamizadora' do Fundo Dema.

Capacitar para novos tempos com a visão do desenvolvimento sustentável

Jovens em dinâmica da 'mandala' de valorização das frutas nativas da Amazônia

Com o objetivo de estimular processos de mudança na agricultura familiar, a Associação da Casa Familiar Rural de Placas (oeste paraense) inicia um processo de formação de jovens alunos e suas famílias para disseminação de técnicas agroecológicas e projetos sustentáveis.



Com o apoio do Fundo Dema, na parceria com o Fundo Amazônia, serão realizados cursos de elaboração de projetos para proteção e uso sustentável da biodiversidade amazônica. 
Serão formados/as ‘agentes de desenvolvimento local’ com a missão de disseminar novas técnicas para mudar a cultura de derrubar e queimar para a de preservar e reflorestar, garantindo a segurança alimentar, renda e fortalecimento das organizações de Placas.


Mais um projeto apoiado pelo Fundo Dema, fortalecendo a agricultura familiar no rumo da agroecologia!
Saiba mais sobre o Fundo Dema: http://www.fundodema.org.br

Vânia Carvalho
Fotos enviadas pela Associação da Casa Familiar Rural de Placas