O solo, a água e até o ar de cidades do
Estado do Rio estão contaminados com ingredientes ativos usados nas
fórmulas de agrotóxicos. O GLOBO teve acesso a pesquisas científicas
mostrando que a presença de substâncias de agroquímicos põe em risco
regiões agrícolas, como Paty do Alferes, no Centro-Sul do estado,
Campos, no Norte, e até áreas de importância ecológica, como a Serra dos
Órgãos, onde está o Parque Nacional da Serra dos Órgãos. A terceira
reportagem da série “Veneno em doses diárias” mostra que o meio ambiente
do estado já sofre o impacto do uso indiscriminado dessas substâncias.
No domingo, um levantamento do jornal revelou que os índices
de suicídios e mortes por câncer são mais altos nas regiões Centro-Sul,
Serrana e Noroeste Fluminense.
Apresentada no ano passado no Instituto
Carlos Chagas, da UFRJ, uma tese de doutorado revelou altas
concentrações de endossulfan – substância usada em agrotóxicos – no
Parque Nacional da Serra dos Órgãos. Realizadas em até mais de dois mil
metros de altura, entre 2007 e 2008, as medições constataram taxas que
variavam de 50 a 5,5 mil picogramas por metro cúbico na atmosfera, até
cinco vezes mais do que medições feitas em pesquisas semelhantes na
Bolívia, superando também índices da Europa e dos EUA. Na ocasião, foi
constatada situação igualmente grave no Parque Nacional São Joaquim, em
Santa Catarina.
- Esse tipo de poluição pode ser apenas a
ponta de um iceberg. Precisamos avançar mais com as pesquisas para
saber, por exemplo, de onde vem esse poluente. Uma das hipóteses é que
parte possa estar vindo da Região Sul do país, trazida pelas correntes
de ar. Outra parte pode ter origem no uso intensivo em lavoura próximo à
Serra dos Órgãos. O mais importante é saber que esses produtos são
persistentes e contaminam o ar no local onde ele é aplicado e em áreas
distantes – explica o biólogo e autor da tese, Rodrigo Meire, que fez a
pesquisa em parceria com o Instituto Environment Canada e a Universidade
Tecnológia do Paraná.
O endossulfan foi proibido no Rio depois
da pesquisa e de um desastre, em 2008, em que oito mil litros da
substância vazaram do depósito de uma empresa em Resende nos rios
Pirapitinga e Paraíba do Sul. Banido em 44 países, o produto também já
foi proibido no Brasil. No entanto, o estoque ainda existente no país
pode ser vendido até 2013.
O médico epidemiologista Sérgio Koifman,
coordenador do Programa de Pós-Graduação em Saúde Pública e Meio
Ambiente da Escola Nacional de Saúde Pública da Fiocruz, explica que o
endossulfan é um organoclorado que tem efeitos graves na saúde humana.
- É um tema seriíssimo. Todos os
organoclorados têm uma estrutura química parecida com a de alguns
hormônios humanos. A exposição a eles pode enganar o organismo, passando
a mensagem de que há um “hormônio” atuando, quando na verdade não há.
Isso pode provocar sérias modificações no sistema reprodutivo, na
tireoide, nas glândulas em geral. Todo o sistema hormonal pode ser
afetado – explica Koifman, observando que, na Dinamarca, estudos indicam
que a exposição a algumas substâncias químicas já afetou
consideravelmente o sistema reprodutivo da população masculina e
antecipou em um ano o período de puberdade em mulheres. – A questão é
que todos esses pesticidas podem causar uma gama de efeitos nocivos à
saúde, de malformações congênitas a cânceres.
Em 2003, o professor e pesquisador
Marcelo da Motta Veiga, do Departamento de Saneamento e Saúde Ambiental
da Escola Nacional de Saúde Pública da Fiocruz, que há anos estuda o
assunto, analisou os riscos de contaminação, por agrotóxicos, da água de
rios e poços usada pela população da região onde se planta tomate em
Paty do Alferes. Foram recolhidas cinco amostras, num total de 135, em
27 pontos de coleta selecionados. Desse total, apenas oito não
apresentaram contaminação detectável. Duas amostras tinham contaminações
que ultrapassavam o permitido pela legislação.
- É um problema real. Os índices, embora
apenas dois estivessem acima do determinado pela legislação, são
elevados. Nesses lugares, a população é pobre, trabalha muito e às vezes
vive num lugar horrível. Eles usam muito mais agrotóxicos do que
deveriam e de forma errada – observa.
Poços impróprios para consumo
Poços impróprios para consumo
Já pesquisadores da Universidade
Estadual do Norte Fluminense constataram a contaminação de corpos
aquáticos superficiais num assentamento de agricultores. O foco do
estudo foi uma área de agricultura familiar com cultivo de abacaxi,
cana-de-açúcar, maracujá e mandioca, onde são utilizados vários tipos de
agrotóxicos.
- A pesquisa ainda está em andamento,
mas a gente já detectou contaminação num assentamento onde a maior parte
da plantação é de abacaxis – afirmou Maria Cristina Canela, doutora em
química e coordenadora da pesquisa.
Foram analisadas amostras de poços rasos
no entorno das residências, utilizados como fonte de água potável, para
serviços domésticos e irrigação. Na maioria das amostras, havia o
composto paration metílico, organofosforado proibido na maior parte dos
países da Europa. Mesmo que os níveis encontrados em boa parte dos poços
estivessem dentro dos limites fixados pelo Conama, a conclusão é que
alguns poços estavam impróprios para o consumo.
O engenheiro agrônomo Márcio Fernandes da Silva diz que falta orientação ao pequeno agricultor:
- Ele compra o produto em qualquer loja.
Na maior parte das vezes, é orientado pelo balconista. A maioria dos
produtores tem pouca instrução e dificuldade de entender o que está nas
embalagens. Como não acredita que a dosagem seja suficiente para matar
as pragas, ele aumenta por conta própria o volume de veneno. Esse
excesso contamina o solo e escorre para os cursos dӇgua, que ele e o
vizinho usam.
http://www.mst.org.br/O-solo-a-agua-e-o-ar-de-cidades-do-Rio-estao-contaminadas-pelos-agrotoxicos
Enviado por Tania Pacheco: Combate ao Racismo Ambiental
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