Em Santarém, na quarta-feira,
27, Edmar Paiva do Carmo, 56 anos, perdeu a guerra. Morreu depois de 15
anos de luta contra os efeitos de um inimigo a princípio invisível,
depois incomodamente presente no cotidiano dele e da família. Os
sintomas da exposição ao longo de pelo menos duas décadas contínuas ao
inseticida DDT, utilizado até meados dos anos 90 no combate ao mosquito
da malária. Sem equipamentos adequados de proteção, os ‘homens da Sucam’
percorreram todos os espaços amazônicos, lidando diária e diretamente
com o inseticida. Ajudaram a minimizar as epidemias de malária na
região, mas pagam um preço alto por isso até hoje.
“Temos 802 funcionários intoxicados. Já
perdemos 108 nessa guerra. O companheiro de Santarém foi a vítima mais
recente”, diz Luís Sérgio Botelho, integrante da Comissão dos
Intoxicados, que luta contra a Fundação Nacional de Saúde (FUNASA) pelo
direito a uma indenização aos trabalhadores contaminados. Um dia depois
da morte de Edmar Paiva do Carmo, representantes da comissão engrossaram
as manifestações contra o Governo Federal em frente à sede do Banco
Central em Belém. Fincaram cruzes com o nome de dezenas de mortos,
vitimados direta ou indiretamente, segundo Botelho, pelos efeitos da
exposição maciça ao DDT.
EM BATALHA
Dizer guerra não é apenas uma força de
expressão. Recrutados principalmente durante o regime militar brasileiro
na década de 1970, os homens que borrifavam o DDT na região eram
tratados como se fossem soldados. Tinham de bater continência, adotar
normas de quartel durante a chegada e saída do local de trabalho. De lá
partiam para os rincões mais profundos da Amazônia. Em burros, barcos,
caminhonetes, a pé, embrenhavam-se onde houvesse a possibilidade de uma
casa.
A missão era evitar a proliferação do
mosquito transmissor da malária. Os agentes borrifavam nas ruas e
imóveis o DDT (Dicloro-Difenil-Tricloroetano) e o Malation, compostos
químicos altamente tóxicos, sem o uso de equipamentos de proteção à
própria saúde. Os trabalhadores não eram informados nem treinados
adequadamente a respeito dos riscos de contaminação.
A exposição ao DDT por mais de duas
décadas, sem o uso dos equipamentos de proteção necessários, gerou
graves sequelas à saúde dos agentes. Os relatos e queixas são
semelhantes como dores de cabeça, contrações musculares, irritabilidade,
amnésia, lesões na pele, tontura e alguns traumas de caráter nervoso,
como a impotência sexual. Sequelas crônicas, incuráveis.
A ação do DDT afeta diretamente o
sistema nervoso causando atrofia de membros, dores musculares e
alteração no sistema neurológico, levando a mudanças de comportamento. É
o que diz, por exemplo, um laudo médico assinado no dia 06 de dezembro
de 2001 pelo toxicologista Otávio Américo Brasil. Ao examinar, em
Brasília, o agente Manoel Valente Tavares, atualmente prestes a
completar 60 anos, o especialista constatou que a quantidade de DDT no
sangue de Tavares era de 14, 08 micrograma por decilitro. Um índice
normal seria 3 microgramas por decilitros de sangue.
Contato com DDT começava aos 17 anos
A avaliação médica só confirmava os
sintomas que Manoel Valente Tavares vinha apresentando. Estava
irritável, com seguidas vertigens, dificuldades de equilíbrio, tremores,
convulsões. “A ação tóxica do DDT atua na fibra nervosa e motora do
córtex motor”, descreve o diagnóstico. Tavares não sabe explicar
didaticamente as conclusões médicas, mas sabe o que sente. “Tem dia que
fico falando só. Não é uma coisa normal. Minhas unhas são todas
quebradas, minhas mãos tremem. E se eu for falar das dores passo dia
inteiro aqui”, afirma.
Tavares iniciou como agente no dia 25 de
maio de 1970. Tinha apenas 17 anos. Lidou com todos os tipos de
inseticidas. Fazia a pesagem do DDT, criando a mistura. “No depósito a
gente ficava perto de tudo quanto era tipo de inseticida. Chegava a
dormir em cima dos sacos do produto”, lembra. “Nas viagens, por
desconhecimento, a gente chegava a lavar roupa nos mesmos baldes que
fazia a mistura, fazia comida nesses baldes”.
Rudival Ribeiro da Costa, 62 anos,
vivenciou isso de perto. Começou no dia 1º de maio de 1970, em Capanema.
Tinha 18 anos. “Só me deram o capacete e a farda”, diz. Costa percorreu
a Transamazônica e outras estradas e vilarejos do Pará. “Trabalhei
pesado e o contato com o DDT era direto”, diz. O resultado, anos depois,
é um homem que às vezes tem de procurar as palavras certas para dizer o
que pensa. A família tem de suportar o excesso de nervosismo, as brigas
fúteis. No corpo Rudival traz as cicatrizes da batalha perdida. As mãos
são inchadas, joelhos e tornozelos arrebentados por artroses. “Foram 20
anos direto com isso”, resume.
(Diário do Pará)http://www.diarioonline.com.br/noticia-208484-homens-envenenados-e-abandonados.html
Meu Deus! Estou na sétima série estudando o assunto e fico impressionada! Amei o texto!
ResponderExcluirespalhe, denuncie!!!!! Boa pesquisa!!!!
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