O fato faz parte de série de crimes ocorridos em vários municípios do estado em decorrência da utilização dos agrotóxicos na agricultura
O Espírito Santo é palco de mais um crime ambiental provocado pelo uso de agrotóxicos na agricultura. O fato ocorreu no início da semana passada (15/10), na comunidade de São João Bosco, município de Jaguaré, norte do estado, quando o agricultor, conhecido como Seu Ratinho, injetava veneno na irrigação para pulverizar seu cafezal. Ao desligar a bomba, a bóia que controlava a saída do veneno parou de funcionar, o que provocou o vazamento de todo o agrotóxico no córrego 16, contaminando a água e o solo da região.
O córrego 16 deságua no Jundiá, riacho que alimenta a represa de Jundiá, a principal fonte de abastecimento de água da cidade. A água do córrego é utilizada para a alimentação humana e animal, além de servir para irrigar as plantações dos agricultores.
O veneno que contaminou o córrego é o endolsulfan, considerado altamente tóxico e associado a problemas reprodutivos e do sistema endócrino, banido em 45 países. Em 2011, ele ficou proibido de ser importado pelo Brasil, pois fazia parte de uma lista de 14 agrotóxicos submetidos à reavaliação pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), por causa das suspeitas de associação com problemas graves de saúde. Entretanto, ainda é utilizado nos cultivos de cacau, café, cana-de-açúcar e soja. A partir de 2013, o agrotóxico não poderá mais ser comercializado e usado no país.
De acordo com relatos de camponeses, foram encontrados nas margens dos córregos milhares de peixes que morreram envenenados por conta da contaminação da água. Eles ainda relatam que as aves que se alimentam dos peixes também estão se contaminando e morrendo. “Ninguém agüenta o fedor, dá para sentir o cheiro de longe”, afirmou um camponês da região, que preferiu não se identificar.
O camponês estava preparando uma horta aos arredores de sua casa e teve que utilizar a água de seu poço para fazer a irrigação. “Se eu dependesse apenas da água do rio, minhas hortaliças não iam se desenvolver e minha família ia ficar sem alimentos”, denunciou. Entretanto, afirma que muitas famílias ainda dependem do córrego e estão correndo o risco de ingerir venenos.
O Instituto Estadual de Meio Ambiente (Iema) esteve no local e colheu amostras da água do riacho para fazer análises. Até o momento ainda não se posicionou sobre o ocorrido.
Outros casos
O crime ambiental realizado em Jaguaré faz parte de uma série de acontecimentos ocorridos em vários municípios do estado em decorrência da utilização dos agrotóxicos na agricultura, em especial por seu uso através de pulverização aérea. Pátios de escolas, praças e propriedades de famílias camponesas que não utilizam agrotóxico na produção de alimentos, já foram atingidas e prejudicadas pelo veneno.
Em 2008, uma escola rural no município de Vila Valério, noroeste do estado, foi contaminada por agrotóxicos por um avião que fazia pulverização aérea na região. O fato ganhou grande repercussão, levando o Ministério Público a investigar o caso e determinar a suspensão das aplicações de veneno por dois anos, além da criação de uma lei municipal em 2011 proibindo a atividade na região.
Outro caso emblemático ocorreu com uma representante do Conselho de Segurança Alimentar (Consea-ES), quando visitava a região de Pedro Canário, no momento em que uma aeronave passava pulverizando agrotóxicos na região. O agrotóxico entrou pelo sistema de refrigeração do carro, atingindo todas as pessoas que estavam em seu interior, em especial, a conselheira, que teve intoxicação grave, chegando até a perder cabelo e ficar com a saúde fragilizada.
Segundo os camponeses, os aviões que fazem as pulverizações voam muito baixo e não desligam os jatos de venenos quando saem das áreas pulverizadas, atingindo toda a área por onde sobrevoam.
De acordo com o integrante do Comitê Estadual da Campanha Permanente contra os Agrotóxicos e Pela Vida, o camponês Valmir Noventa, existe uma falsa idéia de que a pulverização aérea é uma forma segura de utilização dos agrotóxicos e que deveria substituir a forma convencional utilizada pelos agricultores. Ele alerta que grande parte do agrotóxico pulverizado pelo avião não é absorvido pelas plantações, devido a força dos ventos, que leva o veneno para outras áreas, plantações e até cidades, contaminando o ar, solo e rios. “Não existe forma segura de utilizar os venenos, isso é um mito. A única forma segura de se lidar com os agrotóxicos é parando de fazer o seu uso”, afirma o camponês.
Por trás desse discurso, alerta Valmir, estão os interesses dos grandes fazendeiros da região, que querem justificar a pulverização aérea para ampliar ainda mais os lucros com a produção de café. “É o poder econômico que insiste em passar por cima da saúde e da vida dos trabalhadores e trabalhadoras, das comunidades rurais diretamente atingidas e da saúde dos consumidores”, denunciou.
Para Valmir, esses fazendeiros representam a lógica do agronegócio, um modelo de produção baseado na monocultura, na concentração de terras, uso de máquinas pesadas, transgênicos e altas quantidades de venenos para garantir uma produção em escala industrial para exportação de commodities. Segundo o camponês está na ordem do dia discutir alternativas de produção à esse modelo. “Já existem várias experiências concretas de milhares de camponeses pelo Brasil que adotam a agroecologia. Somente este modelo é capaz de produzir alimentos saudáveis, com respeito ao meio ambiente e com produtividade suficiente para alimentar a população”, defende.
Corrida Desenvolvimentista
O município de Jaguaré, localizado a 202km de Vitória-ES, tem como principal atividade econômica a cafeicultura. O modelo de produção é baseado predominantemente na pequena propriedade, mas segue a lógica do agronegócio, com foco na monocultura e no uso intensivo de venenos.
A produção chega a alcançar 160 sacas de 60kg de café por hectare, o que levou o município durante muitos anos a alcançar o topo do ranking de maior produtor mundial de café conilon robusta. A economia cafeicultora recebe fortes incentivos do estado, que chega a oferecer prêmios para quem produzir mais por hectare.
Por conta dessa produção, o município passou a liderar também o ranking de maior consumidor de agrotóxicos do estado, com o maior índice de pulverização aérea. Só no centro da cidade, os agricultores podem encontrar cerca de oito lojas que comercializam agrotóxicos.
Entretanto, no ano passado mesmo com os incentivos do poder público, Jaguaré perdeu a liderança mundial para o município vizinho, Vila Valério. Insatisfeitos com a colocação, fazendeiros, poder público local e comerciantes de agrotóxicos da cidade, estão promovendo uma campanha ideológica para convencer os camponeses a se dedicarem ainda mais a produção do café. “É trabalhado o tempo todo na cabeça das pessoas que plantar culturas alimentares é um atraso, não faz o município crescer, quem não entra nessa lógica de produção é considerado fora de moda”, afirmou o camponês Adalto Togenere, que trabalha com café, mas que busca diversificar a produção com outros cultivos.
Adalto foge da lógica de produção local da maioria dos agricultores da região, que ficam reféns da falta de investimentos do poder público na agricultura camponesa e acabam se submetendo às pressões do agronegócio. “Antigamente o município praticava uma agricultura com café, milho, feijão, arroz... isso aos poucos foi mudando e se tornado praticamente só café”, lamentou.
Atraídos pela possibilidade de ganhar muito dinheiro com a produção do café, milhares de famílias camponesas do sul da Bahia, norte de Minas e de outras regiões do Espírito Santo, passaram a trabalhar durante o período da colheita do café na região, para receber até 200 reais a diária, com uma carga horária de trabalho de mais de 10 horas por dia.
Ao final da colheita, alguns voltam paras suas terras e outros ficam no município, para trabalhar na poda e desbrota do café, entretanto, recebendo um valor menor pelo trabalho e se submetendo ao contato direto com os agrotóxicos, passando a se instalar em áreas de periferia da cidade, sem condições de moradia digna e serviços públicos de qualidade.
Campanha mobiliza vários setores da sociedade contra o uso dos agrotóxicos
Movimentos sociais do campo e da cidade, organizações ambientais, universidades e institutos de pesquisas, estudantes, trabalhadores urbanos e camponeses, tem se mobilizado em todo o país naCampanha Permanente Contra os Agrotóxicos e Pela Vida com o objetivo de sensibilizar a população brasileira para os riscos que os agrotóxicos representam.
As atividades da campanha, que iniciaram em abril de 2011, se concentram em ações de conscientização, enfrentamento e denúncia contra sete empresas multinacionais - Monsanto, Syngenta, Bayer, Novartis, Dupont, Basf e Dow-, controladoras de mais de 70% do mercado de agrotóxicos no Brasil.
Essas empresas tem forte relação com a bancada ruralista do senado e da câmara, que pressionam todo o conjunto do congresso a criarem leis, e os governos a implementarem políticas de incentivo ao agronegócio e a liberação do uso dos venenos na agricultura.
Desde 2008, o Brasil atingiu a marca de maior consumidor de agrotóxicos do mundo. Cada brasileiro consome em média cerca de 5 litros de agrotóxicos por ano, causando vários riscos a sua saúde. De acordo com a Campanha, os ingredientes ativos presentes nos agrotóxicos podem causar esterilidade masculina, formação de cataratas, evidências de mutagenicidade, reações alérgicas, distúrbios neurológicos, respiratórios, cardíacos, pulmonares, no sistema imunológico e no sistema endócrino, ou seja, na produção de hormônios, desenvolvimento de câncer, dentre outros agravos à saúde. Para as organizações que integram a campanha, o uso de agrotóxicos está deixando de ser uma questão relacionada especificamente à produção agrícola e se transformando em um problema de saúde pública e preservação da natureza.
Como parte das atividades de mobilização, a campanha está coletando assinaturas para o abaixo-assinado que exige o banimento, pelo governo brasileiro, de toda importação, produção e comercialização de 14 agrotóxicos e substâncias já proibidas em vários países do exterior.
Produzido pela Comunicação do MPA
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