Camila Nobrega
Repórter do Canal Ibase
Repórter do Canal Ibase
Durante mais de um século, multiplicaram-se teorias
econômicas que não levavam em conta a natureza em cálculo algum. Atualmente,
porém, só cresce o número de economistas que começam a olhar para a economia
não como um sistema isolado, mas como parte de um todo, submetida às leis da
natureza e aos impactos que causa nos homens. São os chamados economistas
ecológicos, que propõem uma visão mais ampla do sistema. Entre as principais
referências do tema no país está o economista e professor da Universidade de São
Paulo (USP) José Eli da Veiga, autor de 21 livros, que assina a abertura do
livro “O Decrescimento – entropia, ecologia, economia”, lançado mês passado
pela editora Senac. É primeira tradução em português da obra do matemático e
economista romeno Georgescu-Roegen, cujo pensamento foi renegado por décadas
entre os círculos da área e, agora, está sendo retomado. Nesta entrevista, José
Eli fala não apenas da teoria de Georgescu, como do crescimento da Economia
Ecológica em si, em oposição à Economia Verde.
Qual o significado da chegada da obra
de Georgescu-Roegen ao Brasil?
Muitos jovens ainda hoje saem das faculdades de Economia do país sem ter lido a obra dele. Na década de 1970, Roegen publicou livros e artigos importantes que não foram reconhecidos pela academia. A incorporação da Lei da Entropia (2ª lei da termodinâmica, cuja essência é a degradação da energia em sistemas isolados) na economia, proposta pela primeira vez por ele, não foi bem aceita e Georgescu foi posto de lado. Nos últimos tempos, ele tem sido revisto, mas no Brasil só havia obras circulando em francês, o que dificultava o acesso de alunos. Consegui, finalmente, que este autor fosse publicado em português. Ele foi um gênio, precisa ser mais lido.
Muitos jovens ainda hoje saem das faculdades de Economia do país sem ter lido a obra dele. Na década de 1970, Roegen publicou livros e artigos importantes que não foram reconhecidos pela academia. A incorporação da Lei da Entropia (2ª lei da termodinâmica, cuja essência é a degradação da energia em sistemas isolados) na economia, proposta pela primeira vez por ele, não foi bem aceita e Georgescu foi posto de lado. Nos últimos tempos, ele tem sido revisto, mas no Brasil só havia obras circulando em francês, o que dificultava o acesso de alunos. Consegui, finalmente, que este autor fosse publicado em português. Ele foi um gênio, precisa ser mais lido.
Embora ele mesmo nunca tenha usado
essa denominação, Roegen foi uma das principais inspirações para o movimento da
Economia Ecológica. Como o pensador via a questão do limite da natureza para o
crescimento da economia?
José Eli da Veiga, economista ecológico e professor da USP / Foto: Kenji Honda |
Não se trata exatamente de limites, como alguns
economistas falam hoje. O foco dele era outro. Georgescu teve, ainda nos anos
1960, um estalo sobre a Lei da Entropia. Ele jogou luz sobre o fato de que os
economistas lidavam com a produção econômica como algo independente, isolado.
Os recursos naturais eram vistos como infinitos, e por isso não entravam na
conta. Só que este romeno percebeu a relação de interdependência entre ambos. A
Lei da Entropia não pode simplesmente ser descartada, porque ela age sobre a
economia.
Ou seja, ele percebeu que existe uma
perda de energia associada aos processos econômicos, certo? E há energia
dissipada que nunca se recupera…
Sim, o foco dele não é sobre o esgotamento de
recursos. Ele é anterior à discussão sobre mudanças climáticas, que está em
voga hoje. Georgescu se debruçou sobre o fato de que os recursos naturais têm
uma energia que se dissipa, à medida que são usados pela economia. No início da
carreira, ele tinha o foco de estudo voltado para o consumo. Depois, percebeu
que precisava se dedicar à questão da produção. E concluiu que, uma vez
utilizados para a produção de algo, os recursos terão uma parte de energia que
nunca mais será utilizada. É uma parte que se perde no processo. Mas os
cálculos de produção na economia não levam isso em conta. Tomemos como exemplo
as energias fósseis. Para Georgescu, o limite do crescimento se daria ao passo
que a utilização delas reduziria a quantidade de energia inicial do processo.
Mas o pensamento dele ainda não
chegou à esfera prática da economia. Em conferências internacionais sobre o
meio ambiente e o desenvolvimento sustentável, como a Rio+20, Conferência da
ONU realizada ano passado, esta abordagem não passou nem perto das salas de
conferência…
Eu não esperava mesmo que um encontro como a Rio+20
discutisse esse tipo de assunto. Ocorre que os prazos dessa discussão proposta
por Georgescu talvez sejam séculos. Não sabemos quando vai acontecer, mas a
perda gradual desses recursos naturais vai levar a um ponto máximo. Na Rio+20,
discutem-se soluções mais imediatas. A transição de que se fala nessas salas de
conferência é outra, que as Nações Unidas chamaram de Economia Verde. Já
Georgescu foi um dos pais da Economia Ecológica, que defende uma outra
transição, não apenas tecnológica. Ele acredita também que, em algum momento,
haverá decrescimento. A economia, segundo ele, não poderá se manter apenas
estável.
E, dentro da Economia Verde, as
propostas são de adequações mais simples. Não há uma grande mudança de
paradigma econômico, certo?
É outro foco. Na discussão atual, existe uma crença
de que vai haver descolamento entre crescimento do PIB (Produto Interno Bruto,
a medida de riqueza mais utilizada como parâmetro de comparação no mundo) e os
impactos ambientais. A ideia é que o avanço tecnológico vai permitir a
manutenção do crescimento econômico. Ou seja, a tese da Economia Verde é que,
em determinado momento, o PIB poderá continuar aumentando e os impactos vão
diminuindo. Para isso, economistas desta corrente apresentam dados sobre queda
de emissões de carbono por unidade de produção. Na prática, significa que para
cada unidade produzida, a quantidade de carbono usada diminuiu. Mas isso só
serve em termos relativos. Quando pegamos o conjunto total, como a produção
aumenta, a quantidade absoluta também cresce. O impacto na atmosfera, portanto,
continua aumentando e muito. O único argumento novo que deve ser analisado ainda
é em relação à Inglaterra. Estudos recentes mostram que o país está conseguindo
manter o PIB em crescimento, reduzindo as emissões.
Mas, nesse caso, estamos falando de
um país com um desenvolvimento mais avançado, e com condições de apostar em
inovações tecnológicas. No entanto, se as nações mais pobres dependerem de
tecnologias que não podem bancar, sem que haja transferência, como elas farão?
Aí está o problema. Será que a humanidade resolverá
os novos desafios tratando o problema com as mesmas receitas antigas. Nesse
caso, não se atacam os sintomas. A Inglaterra é um caso de economia madura, e
parece que o mesmo processo pode estar acontecendo também na Holanda. Mas o
cenário encontrado lá não é o mesmo de países pobres. Será possível apostar
nesse modelo, e que todos os países alcançariam uma maturidade que os
permitiria crescer, reduzindo, por meios tecnológicos, os impactos ambientais?
Ainda assim, este pensamento não leva
em conta os impactos sociais associados ao crescimento econômico desenfreado.
Estas questões fazem parte da Economia Ecológica?
Sim, a economia não pode ser vista como um sistema
isolado nem das questões ambientais, nem sociais. Estamos falando sempre de uma
mesma coisa. No caso da Inglaterra, por exemplo, estamos falando de uma economia
madura em vários sentidos. É uma sociedade cujo acesso a serviços é outro, onde
há um parâmetros de educação, saúde mais elevados e compartilhados pela
população. Não é a economia em si, isoladamente, que levará nações a reduzirem
impactos socioeconômicos significativos.
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