sábado, 13 de junho de 2015

A Amazônia e a comida de verdade


A Amazônia e a comida de verdade

Maria Emília L. Pacheco

O que é comida de verdade na visão dos povos da Amazônia? Por que os índices de insegurança alimentar e nutricional da região são os mais altos do país? Quais os desafios para a segurança alimentar e nutricional do maior bioma do Brasil? Estas e outras questões serão tratadas no encontro sobre  soberania e a segurança alimentar e nutricional da Amazônia, de 9 a 11 de junho, em Belém. Organizado  pelo Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea), órgão de assessoramento imediato da Presidência da República, reunirá 200 participantes,  representando os estados da Amazônia Legal.

A riqueza da biodiversidade da Amazônia e o seu valioso patrimônio cultural representado pelo conhecimento tradicional de seus povos sobre as plantas medicinais e comestíveis, frutos, sementes, raízes, fauna silvestre, peixes,  deveria representar uma abundante oferta e utilização de proteína, calorias, vitaminas, minerais, e assim, garantir a saúde, nutrição e qualidade de vida para sua população.

Mas infelizmente, a insegurança alimentar e nutricional ainda atinge boa parte dos povos das águas e das florestas, como os povos indígenas, comunidades quilombolas, ribeirinhos e demais comunidades tradicionais nessa região.

Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (PNAD), divulgada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em dezembro de 2014, revelou que 1,3 milhão ou 7,8% dos moradores da região Norte sofrem de insegurança alimentar grave, ou seja, “privação de alimentos que pode chegar à sua expressão mais grave, que é a fome”.

No mês passado o Ministério da Saúde divulgou dados da Pesquisa Vigilância de Fatores de Risco e Proteção para Doenças Crônicas por Inquérito Telefônico (Vigitel), realizada em 2014 nas 27 capitais brasileiras.
Um dos itens medido pela pesquisa foi o consumo mínimo de 400 gramas semanais de frutas e hortaliças, conforme recomendação da Organização Mundial de Saúde (OMS). Entre as 11 capitais de menor consumo, seis estão na Amazônia Legal. Belém está em 27º com 15%; Rio Branco em 26º com 17%; depois aparecem Macapá, Manaus em 23º com 19%; Cuiabá e São Luís em 18º com 20%.
Um exemplo que nos fala desse preocupante cenário vem de um estudo do pesquisador  Afonso Rabelo do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa/MCTI), publicado no livro “Frutos Nativos da Amazônia comercializados nas feiras de Manaus-Am”. Ele constata que alguns frutos do extrativismo como piquiá, pajurá, sorvinha, uxi, bacaba, patauá e outros, estão cada vez mais escassos nas feiras livres da cidade em decorrência dos desmatamentos provocados para abertura de estradas e expansão agropecuária.
Também constatamos mudanças nos hábitos alimentares na Amazônia. Alimentos tradicionais com baixo teor de gordura como farinha e peixes de água doce, consumidos pelos ribeirinhos, vem sendo substituídos por itens alimentares de alto teor de gordura, como os frangos congelados.

Mas é também na Amazônia que se destaca a importância da fauna silvestre nas práticas alimentares, que é parte de uma rede de trocas e de reciprocidade, mostrando-nos o sentido da cultura alimentar para suas populações como nos mostra um estudo dos pesquisadores Rodrigo Augusto Alves de Figueiredo e Flávio Bezerra Barros da Universidade Federal do Pará.
Considerando esses exemplos do contexto da Amazônia definimos como temas do encontro: direito à  terra, território e água e sua relação com o Direito Humano à Alimentação;  os sistemas alimentares na Amazônia, sua expressão cultural e os impactos das mudanças pelas quais vem passando, e os desafios para a adequação das  propostas de políticas públicas para a região.
Este encontro regional faz parte das etapas preparatórias para a 5ª Conferência Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional, que terá como lema “Comida de verdade no campo e na cidade – por soberania e direitos” e será realizada de 3 a 6 de novembro em Brasília.

Maria Emília Pacheco é presidenta do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea)



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