5 de junho de 2013
Da IHU On-Line
“Precisamos acordar para o fato de que esse debate do Código Florestal é revelador não somente de uma crise política entre governo com parte de sua base, mas, sobretudo, de uma vulnerabilidade forte da nossa economia reprimarizada, pautada num modelo intenso em uso de recursos naturais e emissões de CO2 e poluentes, ou no que vem se convencionando chamar de neodesenvolvimentismo, um misto de investimento públicos em grandes obras de infraestrutura e que favorecem o setor privado, com um misto de políticas sociais”.
A
declaração é de André Lima, ao comentar o primeiro ano de publicação do novo
Código Florestal, instituído em 25 de maio de 2012. De acordo com Lima, apesar
de ter se passado um ano desde a promulgação da lei, o que existe é “somente um
decreto genérico que precisa ser detalhado para definir o Cadastro Ambiental
Rural – CAR. O CAR é o principal instrumento para a adesão aos Programas de
Regularização Ambiental – PRA. Sem a definição clara de como irá funcionar não
tem como colocar em prática a nova lei”, informa na entrevista a seguir
concedida à IHU On-Line por e-mail.
Entre as dificuldades para implantar a nova lei, Lima destaca um “desafio de grandeza continental” no que se refere à situação dos órgãos ambientais, que “infelizmente ainda é muito diversa e precária”. Na avaliação dele, “a nova lei avançou pouco, mas institucionalmente avançamos menos ainda. Os setores econômicos mais intensivos em uso de recursos naturais (dentre eles o agropecuário) reclamam dos ‘gargalos ambientais’, mas absolutamente nada fazem para demandar dos governadores e demais tomadores de decisão mais infraestrutura e mais recursos humanos e financeiros para os órgãos ambientais. Eu digo sem nenhum receio que esse é um dos grandes problemas que ainda teremos que enfrentar pelos próximos anos”.
André Lima é advogado formado pela Universidade de São Paulo – USP, assessor de políticas públicas do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia e consultor jurídico da Fundação SOS Mata Atlântica.
Confira a entrevista:
Quais as razões do atraso da implementação da Lei Federal n. 12.651?
O prazo para publicação do Decreto foi 26 de maio e, passado o primeiro ano, temos somente um decreto genérico que precisa ser detalhado para definir o Cadastro Ambiental Rural – CAR. O CAR é o principal instrumento para a adesão aos Programas de Regularização Ambiental – PRA. Sem a definição clara de como irá funcionar não tem como colocar em prática a nova lei. O problema é que o sistema do governo federal ainda está sendo concluído, e os estados até agora pouco ou nada fizeram para se preparar adequadamente para operar o novo sistema.
Temos um desafio de grandeza continental e precisamos considerar que no Brasil a situação dos órgãos ambientais infelizmente ainda é muito diversa e precária. Em alguns casos é ainda praticamente inexistente.
Melhoramos muito se compararmos com 10 anos atrás, mas estamos muito atrasados considerando a demanda existente e apresentada pela nova lei. A verdade é que a nova legislação avançou pouco, mas institucionalmente avançamos menos ainda. Os setores econômicos mais intensivos em uso de recursos naturais (dentre eles o agropecuário) reclamam dos “gargalos ambientais”, mas absolutamente nada fazem para demandar dos governadores e demais tomadores de decisão mais infraestrutura e mais recursos humanos e financeiros para os órgãos ambientais. Eu digo sem nenhum receio que esse é um dos grandes problemas que ainda teremos que enfrentar pelos próximos anos.
Diante deste atraso, o que é possível dizer acerca da pressa de aprovar a legislação há um ano?
Na verdade, os produtores rurais mais atrasados conseguiram (ao pautar o governo nas negociações) o que queriam, pois as multas e as ações judiciais que cobravam recuperação das áreas degradadas antes de julho de 2008 estão totalmente paralisadas. Portanto, não há mais pressa por parte deles. Então, a lei resolveu (por um tempo) seu problema e agora apostam na ineficiência do Estado para dizer que esta nova lei também é impossível de ser cumprida.
Não me surpreenderei se em alguns meses houver nova investida ruralista (como já está tendo por parte de alguns parlamentares mais atrasados do setor, por exemplo, o deputado Collato) contra a legislação no intuito de “atualizá-la” ou “adequá-la” à nova realidade. Considerem que o Senado está para votar um projeto de lei que autoriza o uso de áreas desmatadas na Amazônia para plantio de cana-de-açúcar. Considerem que entre 2008 e 2012 foram desmatados na Amazônia algo em torno de 2,5 milhões de hectares sobre os quais haverá uma disputa muito grande. O poder público, pela nova lei florestal, tem o dever de embargar seu uso e o setor deve querer incorporá-lo para viabilizar suas estratégias de aumento de produção, de avanço da fronteira da cana para Amazônia, Cerrado e Pantanal.
Estamos vivendo ainda em boa parte da Amazônia e do Cerrado a dinâmica de fronteira e o Estado muitas vezes tem chegado atrasado. Exceto quando cria unidades de conservação ou reconhece Terras Indígenas. Mas estamos vivendo também no Congresso Nacional iniciativa para limitar o poder do Executivo para fazê-lo. A PEC 215, que está na pauta de prioridades dos ruralistas, pretende decepar o único instrumento ágil que o governo tem de chegar antes da ilegalidade, da especulação e da grilagem de terras na Amazônia. Então, o que podemos dizer é que o Congresso Nacional, com boa carga de leniência do governo, que patina com sua base aliada, está pautando a agenda socioambiental pela lógica ruralista.
Uma das críticas ao Código Florestal diz respeito aos Programas de Regularização Ambiental – PRA, os quais não foram aprovados. Quais as razões?
Um misto de desinteresse com falta de norte para sua implementação. Alguns estados entendem que o PRA é somente um decreto que diz qual o guichê, os prazos e que documentos um produtor rural deve apresentar para se regularizar, um tipo de passaporte da paz e alegria.
Na verdade, o PRA deve ser muito mais que isso. Deve ser o programa que indica quais áreas podem ou não ser consolidadas (desmatamentos ilegais anteriores a julho de 2008), considerando sua vulnerabilidade ambiental e sua adequação agrícola. E isso exigirá vontade política e determinação. Que parece que não há na grande maioria dos estados. Além disso, a lei permite o adiamento por mais um ano da publicação do PRA, e é isso o que deve acontecer na maioria dos estados, até pela própria letargia do governo federal que deveria dar o tom.
Teremos agora mais um ano para regulamentar a lei nos estados. E enquanto isso tudo fica como está. Não deixa de ser um tipo de insegurança jurídica.
Outra crítica diz respeito ao percentual de proprietários de terras que fizeram o CAR: menos de 5%. O que esse percentual revela? Nesse sentido, como vê a atuação dos estados nessa questão?
Poucos são os estados que começaram de fato a implementar algo próximo ao que deva ser um bom CAR. Mato Grosso e Pará já iniciaram com muitos problemas. O primeiro há mais de 10 anos. Mas há ainda muitos problemas para resolver. Além disso, como disse acima, não parece haver interesse real em fazer a nova lei funcionar, pois isso implicará em obrigar parte dos proprietários a recuperar parte dos desmatamentos ilegais. Lembro que ano que vem é ano eleitoral, o que vai tornar essa agenda ainda mais politizada e de difícil implementação. E o prazo vencerá um mês antes de iniciar o período eleitoral. Quem não fizer agora terá essa espada sobre seu pescoço.
Em artigo recente, o senhor mencionou que o Ministério de Meio Ambiente recusou a proposta do instituto O Direito por um Planeta Verde e do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam) para a criação de um grupo assessor, no âmbito do Conselho Nacional do Meio Ambiente – Conama, tendo em vista o acompanhamento e avaliação da implementação da nova lei. Quais as razões dessa rejeição e como o novo Código Florestal foi implementado ao longo do primeiro ano?
A razão é que o Executivo está cedendo à pressão do Legislativo de tirar poderes do Conama nessa matéria. A nova lei reduziu significativamente as competências do Conama para regulamentar essa matéria. Agora, a competência do Conama é residual e o Executivo parece concordar com essa estratégia. Quisesse fortalecer o órgão, como tem sido o discurso da presidência do Conama, chamaria para si o papel de monitorar a implementação da lei, afinal o Conama é o órgão democrático e ali estão todos os setores.
Se examinarmos a composição do GT criado pela ministra, veremos que todos os órgãos convidados a compor o referido GT estão representados no Conama. Não faz sentido convidar uns e não outros. No entanto, isso significa um retrocesso evidente, pois para ser sustentável tem de ser democrático. Não existe sustentabilidade sem democracia, que também se faz pela forma participativa.
Democracia não é só no Congresso Nacional nem em GTs em que se convida quem se quer, ou só os amigos. Isso é aparelhar o Estado. As instâncias legítimas existem para isso. Esse é o papel do Conama. Parece que este governo é tão sustentável quanto democrático. Flexibilizou na lei para atender o reclamo ruralista e reduziu a intensidade democrática com que essa lei é implementada e deve ser monitorada. A ministra respondeu à nossa solicitação com a criação por portaria de um GT. Embora seja importante esse GT, trata-se de um instrumento precário, pois a qualquer momento uma portaria pode ser revogada por outra. Se esse grupo de fato puser o dedo nas feridas, continuará existindo? Estamos demandando, através da representação que temos pelo IDPV, uma vaga no GT, vaga que é indicada pelas organizações ambientalistas no Conama. Queremos isso para que possamos dar à nossa contribuição. Desejamos virar a página.
Chega desse papo de viúvos do Código Florestal. Agora temos que monitorar o que vai acontecer e incidir sobre sua aplicação, para evitar mais retrocessos e tentarmos garantir alguns avanços com o CAR e os PRAs, tal como devem ser. Por isso criamos o Observatório do Código Florestal para abrir esse debate, que tem sido feito somente em gabinetes sem transparência e sem participação social.
Que aspectos da legislação devem ser implementados com mais urgência?
É fundamental que os PRAs identifiquem as regiões e bacias hidrográficas onde a recuperação e a conservação de florestas e da vegetação nativa deverão acontecer com apoio e determinação do poder público e participação dos produtores rurais. A lei estabelece, por exemplo, que as APPs de imóveis com mais de 4 MF desmatadas antes de julho de 2008 possam variar de 20 até 100 metros e isso será definido pelos PRAs.
Portanto, que seja definido. Por exemplo, Mato Grosso já adiantou que não quer nada além do mínimo. Mas há outras regiões e estados com governantes mais afinados com o desenvolvimento sustentável que sabem que o mínimo não atende sequer ao setor agropecuário. Também é importante que instrumentos de monitoramento público da implementação da lei sejam estabelecidos nos estados. Enfim, teremos muito trabalho nos próximos 3 a 4 anos. Além disso, os instrumentos econômicos precisam ser colocados em prática.
Deseja acrescentar algo?
Reforço a importância de a sociedade organizada acompanhar de perto nos estados a implementação da nova lei. Além disso, preocupa-nos muito a forte agenda de desregulamentação e retrocessos na área ambiental em curso, sob a liderança ruralista e a leniência do governo Dilma.
Além do Código Florestal, do sistema de criação de unidades de conservação e terras indígenas, agora tem também um projeto de lei que trata das áreas de entorno de unidades de conservação.
Os projetos relacionados à mineração e o licenciamento ambiental também serão objeto de rediscussão.
Precisamos acordar para o fato de que esse debate do Código Florestal é revelador não somente de uma crise política entre governo com parte de sua base, mas, sobretudo, de uma vulnerabilidade forte da nossa economia reprimarizada, pautada num modelo intenso em uso de recursos naturais e emissões de CO2 e poluentes, ou no que vem se convencionando chamar de neodesenvolvimentismo, um misto de investimentos públicos em grandes obras de infraestrutura e que favorecem o setor privado, com um misto de políticas sociais.
O Brasil pode muito mais do que simplesmente se contentar em tornar-se o grande celeiro do mundo para alimentar porcos e vacas na Europa ou na Ásia.
Entre as dificuldades para implantar a nova lei, Lima destaca um “desafio de grandeza continental” no que se refere à situação dos órgãos ambientais, que “infelizmente ainda é muito diversa e precária”. Na avaliação dele, “a nova lei avançou pouco, mas institucionalmente avançamos menos ainda. Os setores econômicos mais intensivos em uso de recursos naturais (dentre eles o agropecuário) reclamam dos ‘gargalos ambientais’, mas absolutamente nada fazem para demandar dos governadores e demais tomadores de decisão mais infraestrutura e mais recursos humanos e financeiros para os órgãos ambientais. Eu digo sem nenhum receio que esse é um dos grandes problemas que ainda teremos que enfrentar pelos próximos anos”.
André Lima é advogado formado pela Universidade de São Paulo – USP, assessor de políticas públicas do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia e consultor jurídico da Fundação SOS Mata Atlântica.
Confira a entrevista:
Quais as razões do atraso da implementação da Lei Federal n. 12.651?
O prazo para publicação do Decreto foi 26 de maio e, passado o primeiro ano, temos somente um decreto genérico que precisa ser detalhado para definir o Cadastro Ambiental Rural – CAR. O CAR é o principal instrumento para a adesão aos Programas de Regularização Ambiental – PRA. Sem a definição clara de como irá funcionar não tem como colocar em prática a nova lei. O problema é que o sistema do governo federal ainda está sendo concluído, e os estados até agora pouco ou nada fizeram para se preparar adequadamente para operar o novo sistema.
Temos um desafio de grandeza continental e precisamos considerar que no Brasil a situação dos órgãos ambientais infelizmente ainda é muito diversa e precária. Em alguns casos é ainda praticamente inexistente.
Melhoramos muito se compararmos com 10 anos atrás, mas estamos muito atrasados considerando a demanda existente e apresentada pela nova lei. A verdade é que a nova legislação avançou pouco, mas institucionalmente avançamos menos ainda. Os setores econômicos mais intensivos em uso de recursos naturais (dentre eles o agropecuário) reclamam dos “gargalos ambientais”, mas absolutamente nada fazem para demandar dos governadores e demais tomadores de decisão mais infraestrutura e mais recursos humanos e financeiros para os órgãos ambientais. Eu digo sem nenhum receio que esse é um dos grandes problemas que ainda teremos que enfrentar pelos próximos anos.
Diante deste atraso, o que é possível dizer acerca da pressa de aprovar a legislação há um ano?
Na verdade, os produtores rurais mais atrasados conseguiram (ao pautar o governo nas negociações) o que queriam, pois as multas e as ações judiciais que cobravam recuperação das áreas degradadas antes de julho de 2008 estão totalmente paralisadas. Portanto, não há mais pressa por parte deles. Então, a lei resolveu (por um tempo) seu problema e agora apostam na ineficiência do Estado para dizer que esta nova lei também é impossível de ser cumprida.
Não me surpreenderei se em alguns meses houver nova investida ruralista (como já está tendo por parte de alguns parlamentares mais atrasados do setor, por exemplo, o deputado Collato) contra a legislação no intuito de “atualizá-la” ou “adequá-la” à nova realidade. Considerem que o Senado está para votar um projeto de lei que autoriza o uso de áreas desmatadas na Amazônia para plantio de cana-de-açúcar. Considerem que entre 2008 e 2012 foram desmatados na Amazônia algo em torno de 2,5 milhões de hectares sobre os quais haverá uma disputa muito grande. O poder público, pela nova lei florestal, tem o dever de embargar seu uso e o setor deve querer incorporá-lo para viabilizar suas estratégias de aumento de produção, de avanço da fronteira da cana para Amazônia, Cerrado e Pantanal.
Estamos vivendo ainda em boa parte da Amazônia e do Cerrado a dinâmica de fronteira e o Estado muitas vezes tem chegado atrasado. Exceto quando cria unidades de conservação ou reconhece Terras Indígenas. Mas estamos vivendo também no Congresso Nacional iniciativa para limitar o poder do Executivo para fazê-lo. A PEC 215, que está na pauta de prioridades dos ruralistas, pretende decepar o único instrumento ágil que o governo tem de chegar antes da ilegalidade, da especulação e da grilagem de terras na Amazônia. Então, o que podemos dizer é que o Congresso Nacional, com boa carga de leniência do governo, que patina com sua base aliada, está pautando a agenda socioambiental pela lógica ruralista.
Uma das críticas ao Código Florestal diz respeito aos Programas de Regularização Ambiental – PRA, os quais não foram aprovados. Quais as razões?
Um misto de desinteresse com falta de norte para sua implementação. Alguns estados entendem que o PRA é somente um decreto que diz qual o guichê, os prazos e que documentos um produtor rural deve apresentar para se regularizar, um tipo de passaporte da paz e alegria.
Na verdade, o PRA deve ser muito mais que isso. Deve ser o programa que indica quais áreas podem ou não ser consolidadas (desmatamentos ilegais anteriores a julho de 2008), considerando sua vulnerabilidade ambiental e sua adequação agrícola. E isso exigirá vontade política e determinação. Que parece que não há na grande maioria dos estados. Além disso, a lei permite o adiamento por mais um ano da publicação do PRA, e é isso o que deve acontecer na maioria dos estados, até pela própria letargia do governo federal que deveria dar o tom.
Teremos agora mais um ano para regulamentar a lei nos estados. E enquanto isso tudo fica como está. Não deixa de ser um tipo de insegurança jurídica.
Outra crítica diz respeito ao percentual de proprietários de terras que fizeram o CAR: menos de 5%. O que esse percentual revela? Nesse sentido, como vê a atuação dos estados nessa questão?
Poucos são os estados que começaram de fato a implementar algo próximo ao que deva ser um bom CAR. Mato Grosso e Pará já iniciaram com muitos problemas. O primeiro há mais de 10 anos. Mas há ainda muitos problemas para resolver. Além disso, como disse acima, não parece haver interesse real em fazer a nova lei funcionar, pois isso implicará em obrigar parte dos proprietários a recuperar parte dos desmatamentos ilegais. Lembro que ano que vem é ano eleitoral, o que vai tornar essa agenda ainda mais politizada e de difícil implementação. E o prazo vencerá um mês antes de iniciar o período eleitoral. Quem não fizer agora terá essa espada sobre seu pescoço.
Em artigo recente, o senhor mencionou que o Ministério de Meio Ambiente recusou a proposta do instituto O Direito por um Planeta Verde e do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam) para a criação de um grupo assessor, no âmbito do Conselho Nacional do Meio Ambiente – Conama, tendo em vista o acompanhamento e avaliação da implementação da nova lei. Quais as razões dessa rejeição e como o novo Código Florestal foi implementado ao longo do primeiro ano?
A razão é que o Executivo está cedendo à pressão do Legislativo de tirar poderes do Conama nessa matéria. A nova lei reduziu significativamente as competências do Conama para regulamentar essa matéria. Agora, a competência do Conama é residual e o Executivo parece concordar com essa estratégia. Quisesse fortalecer o órgão, como tem sido o discurso da presidência do Conama, chamaria para si o papel de monitorar a implementação da lei, afinal o Conama é o órgão democrático e ali estão todos os setores.
Se examinarmos a composição do GT criado pela ministra, veremos que todos os órgãos convidados a compor o referido GT estão representados no Conama. Não faz sentido convidar uns e não outros. No entanto, isso significa um retrocesso evidente, pois para ser sustentável tem de ser democrático. Não existe sustentabilidade sem democracia, que também se faz pela forma participativa.
Democracia não é só no Congresso Nacional nem em GTs em que se convida quem se quer, ou só os amigos. Isso é aparelhar o Estado. As instâncias legítimas existem para isso. Esse é o papel do Conama. Parece que este governo é tão sustentável quanto democrático. Flexibilizou na lei para atender o reclamo ruralista e reduziu a intensidade democrática com que essa lei é implementada e deve ser monitorada. A ministra respondeu à nossa solicitação com a criação por portaria de um GT. Embora seja importante esse GT, trata-se de um instrumento precário, pois a qualquer momento uma portaria pode ser revogada por outra. Se esse grupo de fato puser o dedo nas feridas, continuará existindo? Estamos demandando, através da representação que temos pelo IDPV, uma vaga no GT, vaga que é indicada pelas organizações ambientalistas no Conama. Queremos isso para que possamos dar à nossa contribuição. Desejamos virar a página.
Chega desse papo de viúvos do Código Florestal. Agora temos que monitorar o que vai acontecer e incidir sobre sua aplicação, para evitar mais retrocessos e tentarmos garantir alguns avanços com o CAR e os PRAs, tal como devem ser. Por isso criamos o Observatório do Código Florestal para abrir esse debate, que tem sido feito somente em gabinetes sem transparência e sem participação social.
Que aspectos da legislação devem ser implementados com mais urgência?
É fundamental que os PRAs identifiquem as regiões e bacias hidrográficas onde a recuperação e a conservação de florestas e da vegetação nativa deverão acontecer com apoio e determinação do poder público e participação dos produtores rurais. A lei estabelece, por exemplo, que as APPs de imóveis com mais de 4 MF desmatadas antes de julho de 2008 possam variar de 20 até 100 metros e isso será definido pelos PRAs.
Portanto, que seja definido. Por exemplo, Mato Grosso já adiantou que não quer nada além do mínimo. Mas há outras regiões e estados com governantes mais afinados com o desenvolvimento sustentável que sabem que o mínimo não atende sequer ao setor agropecuário. Também é importante que instrumentos de monitoramento público da implementação da lei sejam estabelecidos nos estados. Enfim, teremos muito trabalho nos próximos 3 a 4 anos. Além disso, os instrumentos econômicos precisam ser colocados em prática.
Deseja acrescentar algo?
Reforço a importância de a sociedade organizada acompanhar de perto nos estados a implementação da nova lei. Além disso, preocupa-nos muito a forte agenda de desregulamentação e retrocessos na área ambiental em curso, sob a liderança ruralista e a leniência do governo Dilma.
Além do Código Florestal, do sistema de criação de unidades de conservação e terras indígenas, agora tem também um projeto de lei que trata das áreas de entorno de unidades de conservação.
Os projetos relacionados à mineração e o licenciamento ambiental também serão objeto de rediscussão.
Precisamos acordar para o fato de que esse debate do Código Florestal é revelador não somente de uma crise política entre governo com parte de sua base, mas, sobretudo, de uma vulnerabilidade forte da nossa economia reprimarizada, pautada num modelo intenso em uso de recursos naturais e emissões de CO2 e poluentes, ou no que vem se convencionando chamar de neodesenvolvimentismo, um misto de investimentos públicos em grandes obras de infraestrutura e que favorecem o setor privado, com um misto de políticas sociais.
O Brasil pode muito mais do que simplesmente se contentar em tornar-se o grande celeiro do mundo para alimentar porcos e vacas na Europa ou na Ásia.
Ver também em:http://www.mst.org.br/inicial
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