Da Redação

Em
junho, o Brasil sedia a Rio+20, a cúpula mundial de meio ambiente, um
dos temas da edição 180 de Caros Amigos, que está nas bancas. A cúpula
já divide opiniões, como a do pesquisador Michael Löwy, um dos
entrevistados da reportagem publicada na revista.
Confira abaixo a entrevista de Löwy, feita pela jornalista Bárbara
Mengardo. Leia a reportagem completa sobre a Rio+20 na edição nas bancas
(
veja aqui).
Caros Amigos - O que você espera da
Rio+20, tanto do ponto de vista das discussões quanto da eficácia de
possíveis decisões tomadas?
Michael Löwy -
Nada! Ou, para ser caridoso, muito pouco, pouquíssimo… As discussões já
estão formatadas pelo tal "Draft Zero", que como bem diz
(involuntariamente) seu nome, é uma nulidade, um zero à esquerda. E a
eficácia, nenhuma, já que não haverá nada de concreto como obrigação
internacional. Como nas conferências internacionais sobre o câmbio
climático em Copenhagen, Cancun e Durban, o mais provável é que a
montanha vai parir um rato: vagas promessas, discursos, e, sobretudo,
bons negócios 'verdes". Como dizia Ban-Ki-Moon, o secretário das Nações
Unidas - que não tem nada de revolucionário – em setembro 2009, "estamos
com o pé colado no acelerador e nos precipitamos ao abismo”. Discussões
e iniciativas interessantes existirão sobretudo nos fóruns
Alternativos, na Contra-Conferência organizada pelo Fórum Social Mundial
e pelos movimentos sociais e ecológicos.
CA - Desde a Eco 92, houve mudanças na
maneira como os estados lidam com temas como mudanças climáticas,
preservação das florestas, água e ar, fontes energéticas alternativas,
etc.? Se sim, o quão profundas foram essas mudanças?
ML -
Mudanças muito superficiais! Enquanto a crise ecológica se agrava, os
governos - para começar o dos Estados Unidos e dos demais países
industrializados do Norte, principais responsáveis do desastre ambiental
- "lidaram com o tema", desenvolveram, em pequena escala, fontes
energéticas alternativas, e introduziram "mecanismos de mercado"
perfeitamente ineficazes para controlar as emissões de CO2. No fundo,
continua o famoso "buzines as usual", que, segundo cálculo dos
cientistas, nos levara a temperaturas de 4° ou mais graus nas próximas
décadas.
CA - Em comparação a 1992, a sociedade
está muito mais ciente da necessidade de proteção do meio ambiente. Esse
fato poderá influir positivamente nas discussões da Rio+20?
ML -
Esta sim é uma mudança positiva! A opinião pública, a "sociedade
civil", amplos setores da população, tanto no Norte como no Sul, está
cada vez mais consciente de necessidade de proteger o meio ambiente -
não para "salvar a Terra" - nosso planeta não está em perigo - mas para
salvar a vida humana (e a de muitas outras espécies) nesta Terra.
Infelizmente, os governos, empresas e instituições financeiras
internacionais representados no Rio+20 são pouco sensíveis à inquietude
da população, que buscam tranquilizar com discursos sobre a pretensa
"economia verde". Entre as poucas exceções, o governo boliviano de Evo
Morales.
CA - Como a destruição do meio-ambiente relaciona-se com a desigualdade social?
ML -
As primeiras vítimas dos desastres ecológicos são as camadas sociais
exploradas e oprimidas, os povos do Sul e em particular as comunidades
indígenas e camponesas que vêem suas terras, suas florestas e seus rios
poluídos, envenenados e devastados pelas multinacionais do petróleo e
das minas, ou pelo agronegócio da soja, do óleo de palma e do gado. Há
alguns anos, Lawrence Summers, economista americano, num informe interno
para o Banco Mundial, explicava que era lógico, do ponto de vista de
uma economia racional, enviar as produções tóxicas e poluidoras para os
países pobres, onde a vida humana tem um preço bem inferior: simples
questão de cálculo de perdas e lucros.
Por outro lado, o mesmo sistema econômico e social - temos que
chamá-lo por seu nome e apelido: o capitalismo – que destrói o
meio-ambiente é responsável pelas brutais desigualdades sociais entre a
oligarquia financeira dominante e a massa do "pobretariado". São os dois
lados da mesma moeda, expressão de um sistema que não pode existir sem
expansão ao infinito, sem acumulação ilimitada - e portanto sem devastar
a natureza – e sem produzir e reproduzir a desigualdade entre
explorados e exploradores.
CA - Estamos em meio a uma crise do
capital. Quais as suas consequências ambientais e qual o papel do
ecossocialismo nesse contexto?
ML -
A crise financeira internacional tem servido de pretexto aos vários
governos ao serviço do sistema de empurrar para "mais tarde" as medidas
urgentes necessárias para limitar as emissões de gases com efeito de
serra. A urgência do momento - um momento que já dura há alguns anos - é
salvar os bancos, pagar a dívida externa (aos mesmos bancos),
"restabelecer os equilíbrio contábeis", "reduzir as despesas públicas".
Não há dinheiro disponível para investir nas energias alternativas ou
para desenvolver os transportes coletivos.
O ecossocialismo é uma
resposta radical tanto à crise financeira, quanto à crise ecológica.
Ambas são a expressão de um processo mais profundo: a crise do paradigma
da civilização capitalista industrial moderna. A alternativa
ecossocialista significa que os grandes meios de produção e de crédito
são expropriados e colocados a serviço da população. As decisões sobre a
produção e o consumo não serão mais tomadas por banqueiros, managers de
multinacionais, donos de poços de petróleo e gerentes de supermercados,
mas pela própria população, depois de um debate democrático, em função
de dois critérios fundamentais: a produção de valores de uso para
satisfazer as necessidades sociais e a preservação do meio ambiente.
CA - O “rascunho zero” da Rio+20 cita
diversas vezes o termo "economia verde", mas não traz uma definição para
essa expressão. Na sua opinião, o que esse termo pode significar? Seria
esse conceito suficiente para deter a destruição do planeta e as
mudanças climáticas?
ML -
Não é por acaso que os redatores do tal "rascunho" preferem deixar o
termo sem definição, bastante vago. A verdade é que não existe
“economia” em geral: ou se trata de uma economia capitalista, ou de uma
economia não-capitalista. No caso, a "economia verde" do rascunho não é
outra coisa do que uma economia capitalista de mercado que busca
traduzir em termos de lucro e rentabilidade algumas propostas técnicas
"verdes" bastante limitadas. Claro, tanto melhor se alguma empresa trata
de desenvolver a energia eólica ou fotovoltaica, mas isto não trará
modificações substanciais se não for amplamente subvencionado pelos
estados, desviando fundos que agora servem à indústria nuclear, e se não
for acompanhado de drásticas reduções no consumo das energias fósseis.
Mas nada disto é possível sem romper com a lógica de competição
mercantil e rentabilidade do capital. Outras propostas "técnicas" são
bem piores: por exemplo, os famigerados "biocombustíveis", que como bem o
diz Frei Betto, deveriam ser chamados "necrocombustiveis", pois tratam
de utilizar os solos férteis para produzir uma pseudo-gasolina "verde",
para encher os tanques dos carros - em vez de comida para encher o
estômago dos famintos da terra.
CA - Quem seriam os principais agentes
na luta por uma sociedade mais verde, o governo, a iniciativa privada,
ONGs, movimentos sociais, enfim?
ML -
Salvo pouquíssimas exceções, não há muito a esperar dos governos e da
iniciativa privada: nos últimos 20 anos, desde a Rio-92, demonstraram
amplamente sua incapacidade de enfrentar os desafios da crise ecológica.
Não se trata só de má-vontade, cupidez, corrupção, ignorância e
cegueira: tudo isto existe, mas o problema é mais profundo: é o próprio
sistema que é incompatível com as radicais e urgentes transformações
necessárias.
A única esperança então são os movimentos socais e aquelas ONGs que
são ligadas a estes movimentos (outras são simples "conselheiros verdes"
do capital). O movimento camponês - Via Campesina -, os movimentos
indígenas e os movimentos de mulheres estão na primeira linha deste
combate; mas também participam, em muitos países, os sindicatos, as
redes ecológicas, a juventude escolar, os intelectuais, várias correntes
da esquerda. O Fórum Social Mundial é uma das manifestações desta
convergência na luta por um "outro mundo possível", onde o ar, a água, a
vida, deixarão de ser mercadorias.
CA - Como você analisa a maneira como a questão ambiental vem sendo tratada pela mídia?
ML -
Geralmente de maneira superficial, mas existe um número considerável de
jornalistas com sensibilidade ecológica, tanto na mídia dominante como
nos meios de comunicação alternativos. Infelizmente uma parte importante
da mídia ignora os combates sócio-ecológicos e toda crítica radical ao
sistema.
CA - Você acredita que, atualmente, em
prol da preservação do meio ambiente é deixada apenas para o cidadão a
responsabilidade pela destruição do planeta e não para as empresas? Em
São Paulo, por exemplo, temos que comprar sacolinhas plásticas
biodegradáveis, enquanto as empresas se utilizam do fato de serem
supostamente "verdes" como ferramenta de marketing.
ML -
Concordo com esta crítica. Os responsáveis do desastre ambiental tratam
de culpabilizar os cidadãos e criam a ilusão de que bastaria que os
indivíduos tivessem comportamentos mais ecológicos para resolver o
problema. Com isso tratam de evitar que as pessoas coloquem em questão o
sistema capitalista, principal responsável da crise ecológica. Claro, é
importante que cada indivíduo aja de forma a reduzir a poluição, por
exemplo, preferindo os transportes coletivos ao carro individual. Mas
sem transformações macro-econômicas, ao nível do aparelho de produção,
não será possível brecar a corrida ao abismo.
CA - Quais as diferenças nas propostas
que querem, do ponto de vista ambiental, realizar apenas reformas no
capitalismo e as que propõem mudanças estruturais ou mesmo a adoção de
medidas mais "verdes" dentro de outro sistema econômico?
ML -
O reformismo "verde" aceita as regras da "economia de mercado", isto é,
do capitalismo; busca soluções que seja aceitáveis, ou compatíveis, com
os interesses de rentabilidade, lucro rápido, competitividade no
mercado e "crescimento" ilimitado das oligarquias capitalistas. Isto não
quer dizer que os partidários de uma alternativa radical, como o
ecossocialismo, não lutam por reformas que permitam limitar o estrago:
proibição dos transgênicos, abandono da energia nuclear, desenvolvimento
das energias alternativas, defesa de uma floresta tropical contra
multinacionais do petróleo (Parque Yasuni!), expansão e gratuidade dos
transportes coletivos, transferência do transporte de mercadorias do
caminhão para o trem, etc. O objetivo do ecossocialismo é o de uma
transformação radical, a transição para um novo modelo de civilização,
baseado em valores de solidariedade, democracia participativa,
preservação do meio ambiente. Mas a luta pelo ecossocialismo começa aqui
e agora, em todas as lutas sócio-ecológicas concretas que se enfrentam,
de uma forma ou de outra, com o sistema.
Fonte: http://carosamigos.terra.com.br/index2/index.php/noticias/2672-michael-loewy-critica-rio20-e-a-propaganda-da-economia-verde