Camila Nobrega
Do Canal Ibase
Enviada a Porto Alegre (RS)*
Já havia
anos que um alimento não ocupava o centro das atenções no país. O jejum foi
quebrado por um vermelhinho que bate ponto em quase toda salada de brasileiros:
o bom e velho tomate. Depois da alta Índice de Preços ao Consumidor (IPCA) em
2012, cuja participação dos alimentos bateu a casa dos 40%, ele coroou as
críticas e reinou absoluto. Os motivos reais dessa situação, no entanto,
permanecem escondidos. O alerta foi feito por Renato Maluf, ex-presidente do
Conselho Nacional de Segurança Alimentar (Consea), durante o 7º Encontro
Nacional do Fórum Brasileiro de Soberania e Segurança Alimentar (FBSSAN), que
aconteceu esta semana em Porto Alegre (RS).
- O
preço é o que está aparecendo para a sociedade. Mas ele é sintoma de uma crise
muito maior, de ordem estrutural. O sistema alimentar brasileiro está em crise,
e só o que chega aos cidadãos é a alta do tomate – provocou Maluf, que também é
professor e pesquisador do Centro de Pós-Graduação em Desenvolvimento,
Agricultura e Sociedade (CPDA), da Universidade Rural, e autor de um estudo
sobre a inflação, lançado este ano.
O
economista listou os principais motivos causadores da inflação de alimentos no
país: o encarecimento de refeições fora de casa, questões climáticas, o poderio
das grandes corporações sobre o sistema alimentar e a fragilidade dos
agricultores familiares, responsáveis pela maior parte dos alimentos que chegam
à mesa dos brasileiros.
O
último Censo Agropecuário do IBGE disponível, de 2006, ratifica a posição do
economista. Os dados mostram que a solução para a alta dos alimentos no Brasil
é um grande desafio político, pois passa pela adoção, pelo poder público, de
medidas estruturais. Elas estariam relacionadas, por exemplo, com a
justiça fundiária. Pela primeira vez o IBGE conseguiu levantar dados para ter
um perfil da distribuição fundiária do país e medir a participação da
agricultura familiar na produção nacional de alimentos. Com 30% de toda a área
plantada, a pequena produção responde por 70% dos produtos da cesta básica.
Participação expressiva, mas que vem sendo ameaçada pelo crescimento do
agronegócio, apoiado sobre a monocultura.
Os
números oficiais revelam ainda que 87% da produção nacional de mandioca, 70% do
feijão, 46% do milho, 34% do arroz, 50% das aves, 59% dos suínos e 30% dos
bovinos procedem da agricultura familiar. Mas o modelo de política agrícola que
prevalece no país (desde a colônia) não facilita a vida dos pequenos
agricultores. O país optou pela produção de commodities agrícolas para
exportação e nunca fez reforma agrária.
Enquanto
isso, a alimentação na casa dos brasileiros vai se transformando. Menos
produtos de agricultura familiar chegam à mesa, e cada vez mais produtos
comprados grandes supermercados e processados passam a fazer parte da dieta
alimentar. O fenômeno é acompanhado de uma concentração cada vez maior das
empresas, como explicou o pesquisador gaúcho Julian Perez.
- Cinco
empresas controlam 46% dos alimentos que chegam à casa dos brasileiros. Elas
controlam o que comemos.
Para a
pesquisadora da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ) e
especialista em agroecologia Claudia Schmitt, a chave é discutir a regulação
dos mercados. Segundo ela, a sociedade precisa acompanhar mais de perto o
movimento dessas empresas, percebendo os níveis de concentração de capital no
setor.
Foto: Fernando Stankuns/Flickr |
Foto: Camila Nobrega |
A
pesquisadora já acompanhou experiências de modelos alternativos de agricultura
familiar, pautados na agroecologia, sistema que conjuga a valorização do
pequeno produtor e o cultivo de alimentos sem uso de agrotóxicos. Segundo ela,
embora pequenos, esses casos precisam ser mais estudados e divulgados. Aos
poucos, as alternativas se multiplicam.
Uma
carta política foi fechada pelos participantes do FBSSAN e será aberta à
sociedade na próxima semana e enviada ao governo federal, com o objetivo de
influenciar na construção e aplicação de políticas públicas voltadas para a
garantia do direito à alimentação.
*Com
colaboração de Gilka Resende, do FBSSAN
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