sexta-feira, 28 de junho de 2013

Biofortificação de alimentos e a monocultura da mente

Enfrentando a “monocultura da mente” – Bilionários renunciam a cultivos ricos em ferro para dar lugar às bananas GM na Índia
Vandana Shiva
Tradução: Bruno Prado
A natureza nos deu uma cornucópia de biodiversidade rica em nutrientes. A má nutrição e a deficiência em nutrientes resultam, por sua vez, da destruição da biodiversidade. A Revolução Verde disseminou monoculturas químicas de arroz e trigo, excluindo a biodiversidade de nossas plantações e dietas. E aquilo que sobreviveu como culturas espontâneas – como as folhas de amaranto (chaulai) e o chenopodium (bathua), ambos ricos em ferro – foi pulverizado com venenos e herbicidas. Ao invés de cuidá-los e protegê-los como dádivas ricas em ferro e vitaminas, esses vegetais foram tratados como “pragas”.
Foto: http://seedfreedom.in

A “monocultura da mente” trata a diversidade como doença e cria estruturas coercivas para remodelar esse nosso mundo biológica e culturalmente diverso a partir dos conceitos de uma classe privilegiada, uma raça e um gênero de uma única espécie. Quando a “monocultura da mente” tomou o controle, a biodiversidade desapareceu de nossas plantações e de nossos alimentos. É a destruição de dietas e cultivos ricos em biodiversidade que nos levou à atual crise da má nutrição.
A mais recente loucura da engenharia genética é empurrar bananas geneticamente modificadas para a Índia de modo a reduzir a deficiência de ferro das mulheres indianas. Setenta e cinco por cento das mulheres indianas sofrem de deficiência de ferro.
Um homem rico cujo nome é Bill Gates está financiando um cientista australiano, James Dale, que conhece uma espécie, a banana, para impor bananas transgênicas ineficientes e perigosas a milhões de pessoas na Índia e em Uganda.
O projeto é um desperdício de dinheiro e um desperdício de tempo. Levará dez anos e milhões de dólares para que a pesquisa seja terminada. Enquanto isso, governos, agências de pesquisa e cientistas não conseguirão enxergar alternativas democráticas, testadas pelo tempo, seguras, de baixo custo e baseadas na biodiversidade, que estão nas mãos das mulheres.
As mulheres indianas têm uma riqueza de conhecimento sobre biodiversidade e nutrição recebida por diversas gerações de suas mães e avós. Qualquer mulher pode lhe dizer que a solução para a má nutrição está em cultivar a nutrição que, por sua vez, significa cultivar a biodiversidade.
Para remover a deficiência de ferro, plantas ricas em ferro deveriam ser cultivadas em todos os lugares – fazendas, hortas domésticas, hortas comunitárias, hortas escolares. A deficiência de ferro não foi criada pela natureza e podemos nos livrar dela nos tornando cocriadores e coprodutores junto à natureza.
Mas há um “mito da criação” que é cego a ambas – à criatividade e biodiversidade da natureza assim como à criatividade, inteligência e conhecimento das mulheres. De acordo com esse “mito da criação” do capitalismo patriarcal, homens ricos e poderosos são os “criadores”. Eles podem ser proprietários da vida através de patentes e propriedade intelectual. Eles podem jogar com a evolução milenar e complexa da natureza e reivindicar que seus atos de manipulação genética – triviais, contudo destrutivos – estão “criando” a vida, os alimentos e a nutrição.
A biodiversidade nativa da Índia oferece ricas fontes de ferro. Por exemplo, o amaranto tem 11 mg de ferro em 100 gramas do alimento, o trigo sarraceno ou trigo-mourisco tem 15.5, as folhas de amaranto tem até 38.5, a karonda (Carissa carandas), 39.1, e o caule de lótus, 60.6.
As bananas têm somente 0.44 mg de ferro por 100 gramas de porção comestível. Todo o esforço em aumentar o ferro no conteúdo das bananas será menor que o ferro no conteúdo de nossa biodiversidade local.
Não apenas a banana GM não é a melhor opção para prover nossa dieta com ferro, ela irá ameaçar ainda mais a biodiversidade de bananas e cultivos ricos em ferro além de introduzir novos riscos ecológicos.
Se adotada, a banana GM será cultivada em grandes monoculturas, tal como o algodão Bt, nas plantações de banana da América Central. O governo e outras agências empurrarão a falsa solução e nossa biodiversidade de alimentos ricos em ferro irá desaparecer.
Além disso, nossas variedades de banana nativas serão deslocadas e contaminadas. Estas incluem Nedunendran, Zanzibar, Chengalikodan e a variedade Manjeri Nendran II.
A ideia de uma “agricultura de nutrientes” composta por uns poucos nutrientes em monoculturas de uns poucos cultivos já está sendo empurrada no nível das políticas. O ministro das finanças indiano P. Chidambaram anunciou um projeto de 36 milhões de dólares para as “nutrifazendas” em seu discurso do orçamento de 2013.  Os seres humanos precisam de biodiversidade de nutrientes, incluindo a escala completa de micronutrientes e oligoelementos. Estes vêm dos solos saudáveis e da biodiversidade.
Há um impulso perverso entre a brigada da biotecnologia para que se declare uma guerra contra a biodiversidade em seu centro de origem. Foi feita uma tentativa de introduzir a berinjela Bt na Índia, que é o centro da diversidade das berinjelas. O milho GM está sendo introduzido no México, o centro de origem do milho. A banana GM está sendo introduzida nos dois países onde a banana é um cultivo significativo e tem grande diversidade. Um é a Índia e outro é a Uganda, o único país onde a banana é um alimento básico das dietas.
HarvestPlus é a aliança corporativa que está empurrando a “biofortificação” – o cruzamento de plantas para aumentar seu valor nutricional. Mas especialistas afirmam que a fortificação de nutrientes nos alimentos pode levar a problemas insuperáveis: “(ela) pode fornecer quantidades tóxicas de nutrientes para um indivíduo e também causar efeitos colaterais associados, além das chances potenciais de que os produtos fortificados ainda não serão uma solução para deficiências de nutrientes entre as populações de baixa renda, que podem não ter os meios para adquirir o novo produto, além das crianças, que podem vir a não consumir quantidades adequadas deste”.
Os cientistas australianos estão usando um vírus que infecta a banana como promotor gênico [usado na construção de um evento transgênico]. Este pode se espalhar através da transferência genética horizontal. Toda engenharia genética usa genes de bactérias e vírus. Estudos independentes mostraram que há riscos para a saúde associados com os alimentos GM.
Não há necessidade de introduzir uma tecnologia perigosa num alimento pobre em ferro como a banana quando temos tantas opções acessíveis, seguras e diversas que correspondem às nossas necessidades de ferro.
Temos de cultivar a nutrição aumentando a biodiversidade, não ‘fortificando’ industrialmente alimentos nutricionalmente vazios de alto custo ou colocando um ou dois nutrientes em cultivos geneticamente modificados.

Não precisamos desses experimentos irresponsáveis que criam novas ameaças para a biodiversidade e para nossa saúde; não necessitamos de soluções de nutrientes impostas por homens poderosos sentados em lugares distantes, que são totalmente ignorantes da biodiversidade dos nossos campos e dos nossos pratos, e que não terão de aguentar as consequências de seu poder destrutivo.  Precisamos colocar a segurança alimentar nas mãos das mulheres para que a última entre elas e a última das crianças possam partilhar das dádivas de biodiversidade da natureza.

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