O sociólogo suíço Jean Ziegler, ex-relator
especial para o Direito à Alimentação da Nações Unidas (ONU), denunciou que a
fome é um dos principais problemas da humanidade, num debate na última
segunda-feira, em São Paulo. Por José Coutinho Júnior do MST.
“O direito à alimentação é o direito fundamental mais brutalmente violado. A fome é o que mais mata no planeta. A cada ano, 70 milhões de pessoas morrem. Destas, 18 milhões morrem de fome. A cada 5 segundos, uma criança no mundo morre de fome”, salienta o sociólogo suíço Jean Ziegler“
Na década de 1950, 60 milhões de pessoas passavam fome. Atualmente, mais de 1 bilhão.
“O
planeta nas condições atuais poderia alimentar 12 bilhões de pessoas, de
acordo com um estudo da Organização das Nações Unidas para Agricultura e
Alimentação (FAO). Não há escassez de alimentos. O problema da fome é o acesso
à alimentação. Portanto, quando uma criança morre de fome ela é assassinada”,
completou.
Ziegler
afirma que é a primeira vez que a humanidade tem condições efetivas de atender
às necessidades básicas de todos. Depois do fim da Guerra Fria, mais
especificamente em 1991, a produção capitalista aumentou muito, chegando a
duplicar em 2002. Ao mesmo tempo, essa produção seguiu um processo de
monopolização das riquezas. Hoje, 52,8% do Produto Interno Bruto (PIB) mundial
está nas mãos de empresas multinacionais.
A
concentração da riqueza nas mãos de algumas empresas faz com que os
capitalistas tenham uma grande força política.
“O
poder político dessas empresas foge ao controle social. 85% dos alimentos de
base negociados no mundo são controlados por 10 empresas. Elas decidem cada dia
quem vai morrer de fome e quem vai comer”, afirmou Ziegler.
O
sociólogo ainda relatou que essas empresas continuam blindadas pela tese
neoliberal de que o mercado não deve ser regulado pelo Estado. Segundo ele, na
Guatemala, 63% da terra está concentrada em 1,6% dos produtores.
“A
primeira reivindicação que fiz, após a missão, foi a realização da Reforma
Agrária no país. Fui rechaçado, pois uma intervenção no mercado não é possível.
Não havia sequer um cadastro de terras lá: quando os latifundiários querem
aumentar suas terras, mandam pistoleiros atacar a população maia que vive ao
redor”.
Especulação
A
especulação financeira dos alimentos nas bolsas de valores é um dos principais
fatores para o crescimento dos preços da cesta básica nos últimos dois anos,
dificultando o acesso aos alimentos e causando a fome. De acordo com o Banco
Mundial, 1,2 bilhões de pessoas encontram-se em extrema pobreza hoje,
vivendo com menos de um dólar por dia. Segundo Zigler, quando o preço do
alimento explode, essas pessoas não podem comprar.
“Apesar
de a especulação ser algo legal, permitido pela lei, isso é um crime. Os
especuladores deveriam ser julgados num tribunal internacional por crime contra
a humanidade”, denunciou Ziegler.
A
política de agrocombustíveis, que, além de utilizar terras que poderiam
produzir comida, transforma alimentos em combustível, é mais uma agravante.
Para o sociólogo, é inadmissível usar terras para fazer combustível em vez de
alimentos num mundo onde a cada cinco segundo uma pessoa morre de fome.
Política da fome
Ziegler
afirma que não se pode naturalizar a fome, que é uma produção humana, criada
pela sociedade desigual no capitalismo. Prova disso são as diversas políticas
agrícolas praticadas tanto por empresas e subsidiadas por instituições
nacionais e internacionais.
O
dumping agrícola consiste em subsidiar alimentos importados em detrimento dos
alimentos produzidos internamente. De acordo com Ziegler, os mercados africanos
podem comprar alimentos vindos da Europa a 1/3 do preço dos produtos africanos.
Os camponeses africanos, dessa forma, não conseguem produzir para se sustentar.
Ziegler
denunciou o "roubo de terras", que é o aluguer ou compra de terras
num país por fundos privados e bancos internacionais, que ocorreu com mais de
202 mil hectares de áreas férteis na África, com crédito do Banco Mundial e de
instituições financeiras da África. Os camponeses, por conta desse processo,
são expulsos das terras para irem viver em barracas. Esse processo tem se
intensificado uma vez que os preços dos alimentos aumentam com a especulação
imobiliária.
O
Banco Mundial justifica o roubo de terras com o argumento de que a
produtividade do camponês africano é baixa até mesmo num ano normal, com poucos
problemas (o que raramente acontece). Um hectare gera no máximo 600 kg por ano,
enquanto que na Inglaterra ou Canadá, um hectare gera uma tonelada. Para o
Banco Mundial, é mais razoável dar essa terra a uma multinacional capaz de
investir capital e tecnologia e tirar o camponês de lá.
“Essa
não é a solução. É preciso dar os meios de produção ao camponês africano. A
irrigação é pouca, não há adubo animal ou mineral nem crédito agrícola, e a
dívida externa dos países impedem que eles invistam na agricultura”, defende
Ziegler.
Soluções
Segundo
Ziegler, a única forma de mudar as políticas que perpetuam a fome é por meio da
mobilização e pressão popular. Ele afirma que devemos exigir dos ministros de
finanças na assembleia do Fundo Monetário Internacional que votem pelo fim das
dívidas externas e nos mobilizar para impedir o uso de agrocombustíveis e
acabar com o dumping agrícola.
“A
única coisa que nos separa das vítimas da fome é que elas tiveram o azar de
nascer onde se passa fome”.
O
ex-relator especial para o Direito à Alimentação da Nações Unidas (ONU) esteve
no Brasil para lançar o livro "Destruição em Massa – Geopolítica da
Fome" (Editora Cortez) e participar da 6ª edição do Seminário Anual de
Serviço Social, que aconteceu no Teatro da Universidade Católica (TUCA).
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