Agrotóxico, pimentão e suco de laranja
Por
José Agenor Álvares da Silva
Diretor
da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa)
No
Valor
A
celeuma sobre a presença de resíduos de agrotóxicos no suco de laranja
brasileiro, colocado em dúvida pelas autoridades sanitárias dos Estados Unidos,
é emblemática para a discussão sobre a contaminação de alimentos por esses
produtos. A presença irregular de resíduos de agrotóxicos em produtos agrícolas
destinados à exportação implica em prejuízo para o agricultor brasileiro, com a
devolução ou destruição do produto pelo país importador.
O
agrotóxico, por definição, é um produto aplicado para matar e a linha que
separa os efeitos benéficos de eliminar uma praga e os efeitos maléficos, que
podem levar um ser humano à morte, é muito tênue. Por isso, esses produtos
químicos têm alvos biológicos e mecanismos de ação bem definidos.
Só
são autorizados se forem eficazes no combate a pragas específicas, sem destruir
o alimento tratado, nem deixar resquícios em quantidades tóxicas para os
consumidores. Isso porque os agrotóxicos estão associados ao desenvolvimento de
alterações hormonais, de doenças do sistema nervoso central, de doenças
respiratórias, de lesões hepáticas, de câncer e tantas outras enfermidades
graves identificadas nos ensaios realizados em animais de laboratório e em
culturas de células e tecidos. Tais ensaios têm constituído um excelente
mecanismo para impedir possíveis agravos, prevalecendo-se das similaridades
entre processos biológicos bem selecionados.
Nos
últimos quatro anos, segundo dados das próprias indústrias do setor, o Brasil
assumiu o posto de maior mercado de agrotóxicos do mundo. Mesmo assim, o
caminho a ser percorrido para alcançarmos os níveis de controle que os países
desenvolvidos exercem sobre essas substâncias ainda é muito longo.
Nesse
cenário, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) determina o limite
máximo de resíduos de agrotóxicos em alimentos e a quantidade total de cada
agrotóxico que pode ser ingerido diariamente pelas pessoas, sem que haja risco
para sua saúde. São esses os parâmetros avaliados pelo tão criticado Programa de
Avaliação de Resíduos de Agrotóxicos da agência.
O programa funciona a partir da coleta de amostras de
alimentos pelas vigilâncias sanitárias dos Estados e municípios em
supermercados. Depois de coletados, os alimentos são encaminhados para
laboratórios, onde se verifica a quantidade de resíduos de agrotóxicos em cada
uma das amostras.
Entretanto, um movimento silencioso, com a sutileza de fazer
inveja ao estouro de uma manada de elefantes, tenta, cotidianamente,
desqualificar os resultados do programa. A dúvida sobre a avaliação de resíduos
de agrotóxicos em alimentos, que é publicada anualmente pela Anvisa, traz uma
notável distorção e desinformação dos fatos, com flagrante desrespeito ao mesmo
tempo à lei e à ciência.
As atividades da Anvisa, nesse campo, têm o compromisso da
transparência de seus atos em respeito à sociedade e no cumprimento de seu
mandato de proteger a saúde humana com base na legislação nacional e nos
conhecimentos científicos e tecnológicos mais atualizados da comunidade
científica internacional.
As referências para a conformidade dos parâmetros medidos são
divulgadas em rótulos e bulas e na página na internet dos organismos
registradores de agrotóxicos: Ministério da Agricultura, Instituto Brasileiro
de Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e Anvisa. São os
mesmos procedimentos praticados pelos países desenvolvidos, muitos dos quais
abrigam as matrizes das indústrias de agrotóxicos, que estão instaladas no
Brasil.
A segurança da qualidade dos alimentos se baseia nos
conhecimentos científicos e na observação dos efeitos tóxicos, agudos e
crônicos que os resíduos de agrotóxicos podem gerar nas pessoas. Se o
responsável pela emissão da receita agronômica ou o próprio agricultor utilizar
um agrotóxico em um alimento para o qual aquele produto não foi autorizado, o
ato se qualifica como ilegal e a ingestão diária segura pode ser ultrapassada.
Isso resultará em prováveis danos à saúde do próprio agricultor e do
consumidor.
Os
efeitos agudos dos agrotóxicos aparecem nos trabalhadores rurais que os
manipulam (preparadores de calda e aplicadores) e em pessoas que vivem ou
trabalham nas imediações das áreas tratadas. A literatura científica constata
que as doenças crônicas ocorrem em pessoas que se expõem a pequenas doses
durante um tempo prolongado, como no caso de consumidores que ingerem alimentos
com pequena quantidade de agrotóxico por um longo período de tempo.
Como
agência reguladora da saúde, a Anvisa tem a obrigação de divulgar as
informações sobre os riscos relativos à exposição a agrotóxicos. Essa
informação é uma poderosa ferramenta de cobrança para que os atores envolvidos
adotem medidas de correção dos problemas diagnosticados.
A Anvisa não compactua com atores que, irresponsavelmente,
estimulam a omissão dos dados com o intuito de desacreditar toda a cadeia
envolvida na avaliação dos resíduos de agrotóxico. Não dá para a volta da velha
política de o bom a gente mostra e o ruim a gente esconde. Esse tipo de omissão
só favorece aqueles cuja atuação, neste campo, se caracteriza pela política do
avestruz e pelo não cumprimento da legalidade, que é o princípio fundamental em
um estado democrático e de direito.
O respeito aos consumidores, em qualquer parte do mundo, é
dever dos estados nacionais. Por isso, a Anvisa busca sempre aprimorar os
instrumentos de avaliação dos agrotóxicos e de seus resíduos nos alimentos,
para que não haja diferença entre os produtos levados à mesa do consumidor
brasileiro e aqueles destinados à exportação. Os direitos do consumidor são
atributos de cidadania e respeitá-los não é nenhum ato de favor ou concessão
das autoridades públicas. É, isto sim, reconhecimento de uma conquista
histórica da sociedade brasileira.
*José Agenor Álvares da Silva é diretor da Agência
Nacional de Vigilância
Sanitária
(Anvisa) desde 2007 e foi ministro da Saúde entre 2006 e 2007
Enviado
por: http://www.mst.org.br/node/12944
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