O VII Congresso Brasileiro de Agroecologia, reuniu em Fortaleza-CE 2.624 profissionais do ensino, da pesquisa e da extensão, estudantes, agricultores e agricultoras de todo o Brasil para debater o tema “Ética na Ciência: Agroecologia como Paradigma para o Desenvolvimento Rural”. A definição deste tema para o nosso Congresso partiu da constatação de que as instituições científicas em nosso país vêm sendo cada vez mais utilizadas como instrumento de legitimação de decisões políticas que aprofundam um modelo de desenvolvimento insustentável, que acentua as desigualdades sociais e destrói a base de recursos naturais necessária à Vida.
A forma como os temas dos agrotóxicos e dos organismos geneticamente modificados vêm sendo tratados pelas instituições do Estado atenta contra os mais fundamentais princípios da prática científica. Denunciamos e repudiamos o emprego da Ciência a serviço de interesses privados que atentam contra a Vida. As regras de funcionamento da CTNBio contrariam a biossegurança e o Princípio da Precaução tendo em vista que suas decisões não são tomadas levando em consideração estudos independentes da tutela dos interesses comerciais. O mesmo se aplica à liberação de agrotóxicos proibidos em outros países com base em fundamentação científica, mas que permanecem sendo utilizados com a autorização e incentivo do Estado brasileiro.
Afirmamos que o princípio Ético de defesa da Vida e do meio ambiente deve pautar a ação do Estado e de suas instituições e isso só se concretizará a partir do reconhecimento oficial e da internalização do paradigma agroecológico nas políticas públicas.
Nesse momento em que o governo federal se propõe a construir uma Política Nacional de Agroecologia de forma participativa, suas instituições devem implementar mudanças estruturais no mundo rural e políticas públicas capazes de consolidar a agricultura familiar camponesa e os princípios da Agroecologia como fundamentos de um novo modelo de desenvolvimento rural e agrícola.
Neste sentido, o VII Congresso Brasileiro de Agroecologia afirma que:
- A massiva redistribuição da terra e a garantia ao livre acesso aos recursos naturais como condições primeira para o desenvolvimento rural sustentável. Nesse sentido, o governo federal deve retomar a agenda da reforma agrária e assegurar os direitos territoriais de populações tradicionais que vêm sendo violados pela expansão do agronegócio e de grandes projetos de infraestrutura. Ademais, é urgente a necessidade de revisão dos índices de produtividade da terra, de modo a assegurar a função socioambiental da propriedade privada e o cumprimento dos dispositivos constitucionais.
- As políticas para o fortalecimento da agricultura familiar devem ser radicalmente reorientadas visando garantir a sua autonomia em relação ao capital industrial e financeiro, o que significa a promoção de processos massivos de transição agroecológica.
- As modificações propostas para o código florestal representam um retrocesso da legislação ambiental brasileira e para o futuro da agricultura camponesa, criando condições para o avanço de um estilo de agricultura insustentável que só beneficia a uma pequena elite descomprometida com a nossa sociedade, não expressando nenhuma solidariedade para com as futuras gerações. Diante disso, exigimos que a presidência da República vete as modificações aprovadas pelo Congresso Nacional.
- O Programa Brasil sem Miséria direcione para a oferta de sementes crioulas e variedades ao invés de incentivar o uso de OGMs na Agricultura Familiar Camponesa. Exigimos a implementação de políticas e ações que impeçam a contaminação genética, uma vez que a convivência, na prática se mostra impossível. Exigimos a manutenção da obrigatoriedade do monitoramento dos OGMs liberados comercialmente.
- A mercantilização da natureza, mediante a noção de mercados verdes, como vêm sendo concebida a posição oficial brasileira para a Conferência Rio+20, é incompatível com o primado da Ética e com o desafio da construção da sustentabilidade. Assim sendo, exigimos que o governo brasileiro reformule sua posição a partir de fundamentos agroecológicos, assegurando com isso a conciliação da conservação ambiental, o controle de emissões de gases de efeito estufa e o desenvolvimento econômico e social.
- A política pública de ATER deve reintroduzir o enfoque agroecológico como eixo orientador das ações patrocinadas pelos governos, o que não pode ser confundido com mudanças técnicas pontuais visando apenas à conquista de nichos de mercado orgânico. Cobramos do MDA a realização da primeira Conferência Nacional e de conferências estaduais e territoriais de Assistência Técnica e Extensão Rural, assegurando um amplo e democrático debate que contribua para a mudança da concepção de ATER e para a qualificação dos aspectos legais e operativos inerentes às atividades de Assistência Técnica e Extensão Rural.
A educação em Agroecologia vem experimentando um avanço significativo nos últimos anos o que se materializa na construção de cursos em Agroecologia (ou com ênfase no tema) nos diferentes níveis de formação. Isto é fruto da luta histórica dos movimentos sociais e as recentes políticas públicas para a educação. Frisamos que a consolidação destas iniciativas emerge do diálogo permanente entre conhecimentos acadêmicos e populares, onde se destaca o protagonismo dos agricultores e agricultoras e suas organizações. Isto tem sido possível em função de uma pluralidade metodológica que valoriza diferentes estratégias para inserção do enfoque agroecológico nas instituições de ensino.
Neste sentido, propomos:
Que o governo federal promova a ampliação e consolidação da rede de Núcleos de Agroecologia das diversas instituições de ensino, por considerar seu papel estratégico na dinamização e promoção do enfoque agroecológico;
Que o Governo Federal, através de suas instituições de apoio e fomento à Ciência, Tecnologia e Inovação crie áreas temáticas em Agroecologia, promovendo a produção de conhecimento científico e tecnológico com enfoque agroecológico;
Que o Governo Federal, através de suas instituições de apoio e fomento à Ciência, Tecnologia e Inovação crie áreas temáticas em Agroecologia, promovendo a produção de conhecimento científico e tecnológico com enfoque agroecológico;
Que o Ministério do Desenvolvimento Agrário e o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico voltem a patrocinar editais para o apoio a pesquisa, ensino e extensão voltadas a processos de transição agroecológica.
- As Instituições públicas de pesquisa agropecuária devem incorporar a abordagem agroecológica na produção e socialização de conhecimentos, superando a noção clássica de Pesquisa & Desenvolvimento, assim como enfoque de Transferência de Tecnologias que vêm bloqueando a inovação das práticas de pesquisa, em particular a sua interação com os agricultores e agricultoras e suas organizações para o estabelecimento de diálogos de saberes.
- As discussões continuam evidenciando que a Agroecologia não cumprirá seu propósito de ser uma referência para o desenvolvimento rural equitativo e sustentável se não se ocupar, na teoria e na prática, do reconhecimento das contribuições das mulheres e das questões que dificultam a sua participação como sujeitos plenos de direitos, tanto na vida social, como na atividade produtiva, e na construção do conhecimento agroecológico. Reconhecendo a importância da questão, foi criado pela ABA um Grupo de Trabalho sobre Gênero.
Manifestamos nosso apoio a “Campanha Nacional Contra o Uso de Agrotóxicos e pela Vida” e a “Campanha Por um Brasil Ecológico e Livre de Transgênicos e Agrotóxicos”.
A ABA permanecerá atenta e atuante na defesa das propostas e princípios expressos nesta carta.
Fortaleza (CE), 15 de dezembro de 2011.
http://www.cbagroecologia.org/carta-do-vii-cba/
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