Maria
Emília Pacheco*
No dia 16
de outubro, desde 1981, por iniciativa da FAO, órgão do sistema das Nações
Unidas que trata da Alimentação e Agricultura, celebramos o Dia Mundial da
Alimentação. Mais de 150 países no mundo organizam diversas atividades e a data
já é uma das mais destacadas do calendário da ONU.
“O clima está mudando. A alimentação e a agricultura também”, foi o
tema deste ano. O que podemos fazer a respeito, pergunta a FAO. E responde
sugerindo que lutemos contra as mudanças climáticas, mudando hábitos cotidianos
e tomando decisões simples. Convida-nos a eleger algumas iniciativas como: (i)
conservar os valiosos recursos naturais do planeta, evitando desperdiçar água,
diversificar a dieta, comprar produtos ecológicos, manter limpo solos e água;
(ii) desperdiçar menos comprar só o que se necessita, limitar o uso de
plástico, escolher frutas e hortaliças com sabor e qualidade sem se fixar
na aparência e ainda (iii) que sejamos conscientes como consumidores(as),
mantendo-nos informados sobre as mudanças climáticas, usando a bicicleta,
caminhando ou viajando em transporte público.
Não há
como refutar essas propostas e entender que somos instados como cidadãos e
cidadãs a nos engajarmos na defesa dessa causa.
Mas
cabe-nos, sobretudo, perguntar sobre a responsabilidade dos estados nacionais e
da própria ONU. Não é a soma de ações individuais que responderá pelas
ameaças, desafios e impactos no sistema alimentar no mundo sob o efeito das
mudanças climáticas, elas próprias provocadas pelo modelo dominante de exploração
da natureza, das práticas da agricultura convencional, do crescimento da
indústria de alimentos ultraprocessados e da crescente adoção das
medidas neoliberais pelos governos.
Nesse
contexto há resistência. É importante informar que desde 2015, durante a 21ª
Cúpula sobre Clima que teve lugar em Paris, ocorreu a iniciativa de criar
um Tribunal contra a Monsanto no Dia Mundial da Alimentação deste ano.
Uma iniciativa emblemática que coloca em questão o poder das corporações.
A Assembleia dos Povos é um tribunal cidadão informal que acusa a
gigante americana Monsanto de produção de sementes transgênicas e fabricante de
pesticidas, de cometer os crimes de “ecocídio” , em relação ao
meio ambiente, e de violação dos direitos humanos.
Cinco
juízes profissionais internacionais ouviram 30 testemunhas, incluindo
cientistas, agricultores e apicultores, durante os três dias dedicados a esta
importante iniciativa. O tribunal dará um parecer consultivo legal
destinado a alimentar as leis existentes, sobretudo, por meio da criação de
jurisprudência no Direito Internacional.
Libertem
nossas sementes! Libertem nossos alimentos! Este é o clamor dos camponeses e
das camponesas, protestando contra o cerco crescente ao direito do livre uso da
biodiversidade, contra os transgênicos, contra a ameaça de liberação da
tecnologia “terminator”, mais conhecida como sementes suicidas.
Os reais
produtores de alimentos são os agricultores e agricultoras que garantem a
preservação da polinização, a conservação dos solos e a biodiversidade como
co-criadores e co-produtores da natureza e fornecem cerca de 70% dos alimentos
que chegam às nossas mesas.
Mas os
marcos regulatórios, em debate atualmente e cada vez mais defendidos pelo poder
do agronegócio e indústria de alimentos, atendem aos interesses de
mercado. Como se vê no Brasil, as ameaças de mudança da lei de cultivares, e a
nova lei de acesso aos recursos genéticos, a flexibilização da lei
de agrotóxicos e a proposta de pagamento por serviços ambientais colidem com o
direito à alimentação adequada e saudável, com o direito às salvaguardas
das expressões culturais da alimentação como patrimônio cultural de quem
produz e também do direito dos consumidores.
Por isso é
fundamental que nos mobilizemos contra essas ameaças.
Depois
de comemorarmos a saída do país do Mapa da Fome, em 2014, com a redução dos
índices de insegurança alimentar e redução da pobreza, estamos diante dos
riscos de voltar a este lugar de indignidade e de violação dos direitos com a
proposta da PEC 241 de congelamento de gastos públicos.
Possíveis
consequências das medidas previstas na PEC poderão ser a revogação ou alteração
da política de valorização do salário mínimo (SM) e mudanças nas regras
de acesso e valor dos benefícios previdenciários e assistenciais.
Programas
com caráter emancipatório como o Programa Nacional de Alimentação Escolar
(PNAE), que em sua evolução determinou que pelo menos 30% dos recursos sejam
investidos na compra direta de produtos da agricultura familiar, medida que
estimula o desenvolvimento econômico e sustentável das comunidades, podem estar
em risco, assim como o Programa Saúde nas Escolas.
“Nenhum direito a menos” é o clamor das organizações
sociais. Por isso, o momento é de conclamar a sociedade civil a resistir e
denunciar retrocessos e desmontes das políticas públicas.
*Maria Emília Pacheco é antropóloga, assessora da Fase (Federação
de Órgãos de Assistência Social e Educacional) e atualmente no exercício da
presidência do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional
(Consea).
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