Novo
estudo da ONU aponta vantagens contemporâneas da pequena propriedade — tanto na
produção de alimentos quanto na regulação dos climas e garantia da
biodiversidade
Por Ignacy
Sachs, na Página22
O
Fundo Internacional para o Desenvolvimento da Agricultura (Ifad, na sigla em
inglês) e o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma) juntaram
esforços para produzir um relatório da maior importância sobre os pequenos
produtores rurais, a segurança alimentar e o meio ambiente. Intitula-se Smallholders,
Food Security and the Environment. Lembremos que, no mundo de
hoje, cerca de 2,5 bilhões de pessoas estão envolvidas em tempo integral ou
parcial na agricultura, administrando 500 milhões de pequenas propriedades
rurais – das quais 80% estão na mão de pequenos agricultores, e respondem por
mais de quatro quintos de alimentos consumidos nos países em desenvolvimento.
Daí
a importância de assegurar o bom funcionamento dos ecossistemas do qual depende
a produtividade desta agricultura de pequeno porte. Tanto mais que, nos
próximos decênios, a demanda das populações urbanas por alimentos continuará a
crescer, colocando, ainda mais que no passado, os pequenos agricultores na
linha de frente das transformações da agricultura mundial.
Em
que pesem os progressos da Revolução Verde e da expansão da área cultivada, o
acesso adequado aos alimentos não é facultado, hoje em dia, a todos: 1,4 bilhão
de pobres sobrevivem (mal) com uma renda inferior a US$ 1,25 por dia, incluindo
1 bilhão que mora nas zonas rurais, esforçando-se por tirar um parco sustento
do cultivo da terra.
O
escândalo é tanto maior que a cultura do desperdício, difundida no mundo, é
responsável pela perda de 1,3 bilhão de toneladas de alimentos por ano, como
lembrou recentemente, em audiência com o papa, o diretor-geral da Organização
das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO), José Graziano da Silva.
No
entanto, o relatório do Ifad, citado acima, transmite uma mensagem
fundamentalmente otimista: “Com a sua imensa experiência coletiva e o
conhecimento íntimo das condições locais, os pequenos produtores detêm muitas
das soluções práticas que podem ajudar a colocar a agricultura num patamar mais
sustentável e equitativo”.
Compartilho
desse otimismo. Contudo, para avançar nesta direção, faz-se necessário superar
as falhas do mercado e os outros desincentivos para o uso sustentável dos
solos. Por quanto tempo continuaremos a postergar o debate sobre as
indispensáveis reformas agrárias, não só no que diz respeito ao Brasil?
Por
outro lado, não temos o direito de subestimar os estragos trazidos por uma
agricultura pouco atenta às questões ambientais, e que privilegia os resultados
imediatos sem pensar em incidências ambientais a longo prazo das tecnologias
aplicadas.
Tampouco
podemos nos omitir na questão difícil de como incentivar os pequenos
agricultores a investir simultaneamente nos aumentos da produção imediata e na
sustentabilidade a longo prazo, sabendo que esta última requer conservação de
solos e de água, moderação no uso de adubos e o esverdeamento das cadeias de
abastecimento.
A
FAO tem razão em insistir sobre a necessidade de modernizar os serviços de
extensão rural, lançando mão, por exemplo, de cursos práticos de agronomia e
servindo-se de rádios locais para difundir os conhecimentos indispensáveis aos
pequenos produtores. O desafio maior consiste, no entanto, na gestão
coordenada das paisagens, de modo a proporcionar às populações rurais estilos
de vida sustentáveis, bem adaptados às condições locais.
As
paisagens agrícolas não se limitam a produzir alimentos. Elas desempenham ao
mesmo tempo vários serviços, tais como a regulação de climas e a conservação da
biodiversidade. Daí a importância do conceito da “agricultura plurifuncional” e
da quantificação dos benefícios dela oriundos, por um lado, para os pequenos
produtores e, por outro, para as economias nacionais.
Para
avançar nessa direção, podemos nos valer da metodologia proposta no estudo
sobre a economia dos ecossistemas e a biodiversidade, conhecido pelo acrônimo
Teeb (The Economics of
Ecosystems and Biodiversity), atualmente sob a responsabilidade do
Pnuma, com a colaboração da Comissão Europeia, das Nações Unidas, da Alemanha e
da Grã-Bretanha. (mais
em Artigo).
A
mensagem central do relatório que serve de base a este artigo é a de que os
pequenos agricultores vivendo nos diferentes ecossistemas detêm uma das chaves
da transformação futura do mundo. Para que sejam bem-sucedidos nesta tarefa e
possam aproveitar os conhecimentos práticos por eles acumulados ao longo dos
séculos, faz-se necessário superar os obstáculos institucionais representados
por estruturas fundiárias obsoletas, dominadas pela grande propriedade.
E,
claro, não podemos nos omitir a recolocar mais uma vez no centro do debate,
como já foi dito, a questão da reforma agrária. À FAO e às comissões regionais
das Nações Unidas cabem uma responsabilidade e um belo desafio a este respeito:
um estudo comparativo e crítico das reformas realizadas no passado, seus
avanços e retrocessos.
Ignacy Sachs é
ecossocioeconomista da École des Hautes Études en Sciences
Sociales, Paris
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