A Amazônia e a comida de
verdade
Maria Emília L. Pacheco
O que é comida de verdade na
visão dos povos da Amazônia? Por que os índices de
insegurança alimentar e nutricional da região são os mais altos do país? Quais
os desafios para a segurança alimentar e nutricional do maior bioma do Brasil?
Estas e outras questões serão tratadas no encontro sobre soberania e a segurança alimentar e
nutricional da Amazônia, de 9 a 11 de junho, em Belém. Organizado pelo Conselho Nacional de Segurança Alimentar
e Nutricional (Consea), órgão de assessoramento imediato da Presidência da
República, reunirá 200 participantes,
representando os estados da Amazônia Legal.
A riqueza da biodiversidade da Amazônia e o
seu valioso patrimônio cultural representado pelo conhecimento tradicional de
seus povos sobre as plantas medicinais e comestíveis, frutos, sementes, raízes,
fauna silvestre, peixes, deveria representar uma abundante oferta e utilização de
proteína, calorias, vitaminas, minerais, e assim, garantir a saúde, nutrição e
qualidade de vida para sua população.
Mas infelizmente, a insegurança
alimentar e nutricional ainda atinge boa parte dos povos das águas e das
florestas, como os povos indígenas, comunidades quilombolas, ribeirinhos e
demais comunidades tradicionais nessa região.
Pesquisa Nacional por Amostra
de Domicílio (PNAD), divulgada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística (IBGE), em dezembro de 2014, revelou que 1,3 milhão ou 7,8% dos
moradores da região Norte sofrem de insegurança alimentar grave, ou seja,
“privação de alimentos que pode chegar à sua expressão mais grave, que é a
fome”.
No mês passado o Ministério
da Saúde divulgou dados da Pesquisa
Vigilância de Fatores de Risco e Proteção para Doenças Crônicas por Inquérito
Telefônico (Vigitel), realizada em 2014 nas 27 capitais brasileiras.
Um
dos itens medido pela pesquisa foi o consumo mínimo de 400 gramas semanais de
frutas e hortaliças, conforme recomendação da Organização Mundial de Saúde
(OMS). Entre as 11 capitais de menor consumo, seis estão na Amazônia Legal. Belém está em 27º com 15%; Rio Branco em 26º com 17%;
depois aparecem Macapá, Manaus em 23º com 19%; Cuiabá e São Luís em 18º com
20%.
Um
exemplo que nos fala desse preocupante cenário vem de um estudo do pesquisador Afonso Rabelo do Instituto Nacional de
Pesquisas da Amazônia (Inpa/MCTI), publicado no livro “Frutos Nativos da
Amazônia comercializados nas feiras de Manaus-Am”. Ele constata que alguns
frutos do extrativismo como piquiá, pajurá, sorvinha, uxi, bacaba, patauá e outros,
estão cada vez mais escassos nas feiras livres da cidade em decorrência dos
desmatamentos provocados para abertura de estradas e expansão agropecuária.
Também
constatamos mudanças nos hábitos alimentares na Amazônia. Alimentos
tradicionais com baixo teor de gordura como farinha e peixes de água doce,
consumidos pelos ribeirinhos, vem sendo substituídos por itens alimentares de
alto teor de gordura, como os frangos congelados.
Mas
é também na Amazônia que se destaca a importância da fauna silvestre nas
práticas alimentares, que é parte de uma rede de trocas e de reciprocidade,
mostrando-nos o sentido da cultura alimentar para suas populações como nos
mostra um estudo dos pesquisadores Rodrigo Augusto Alves de Figueiredo e Flávio
Bezerra Barros da Universidade Federal do Pará.
Considerando esses exemplos do contexto da Amazônia
definimos como temas do encontro: direito
à terra, território e água e sua relação
com o Direito Humano à Alimentação; os sistemas
alimentares na Amazônia, sua expressão cultural e os impactos das mudanças
pelas quais vem passando, e os desafios para a adequação das propostas de políticas públicas para a região.
Este encontro regional faz parte das etapas preparatórias
para a 5ª Conferência Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional, que terá
como lema “Comida de verdade no campo e na cidade – por soberania e direitos” e
será realizada de 3 a 6 de novembro em Brasília.
Maria
Emília Pacheco é presidenta do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e
Nutricional (Consea)
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