Dinâmica de fortalecimento no encontro do Fórum da Amazônia Oriental (FAOR) em Altamira (Rio Xingu antes da construção de Belo Monte, Pará, Foto:Vânia Carvalho |
Leonardo Boff
Para pormos em curso outro
tipo de Grande Transformação que nos devolta a sociedade com mercado e elimine
a deletéria sociedade unicamente de mercado, precisamos fazer algumas
travessias improstergáveis. A maioria delas está em curso mas elas precisam ser
reforçadas. Importa passar:
-do
paradigma Império, vigente há séculos para o paradigma Comunidade da Terra;
-de uma
sociedade industrialista que depreda os bens naturais e tensiona as relações
sociais para uma sociedade de sustentação de toda a vida;
-da Terra
tida como meio de produção e balcão de recursos sujeitos à venda e à exploração
para a Terra como um Ente vivo, chamado Gaia, Pacha Mama ou Mãe Terra;
-da era
tecnozoica que devastou grande parte da biosfera para a era ecozoica pela qual
todos os saberes e atividades se ecologizam e juntas cooperam na salvaguarda da
vida.
-da lógica
da competição de se rege pelo ganha-perde e que opõem as pessoas para a lógica
da cooperação do ganha-ganha que congrega e fortalece a solidariedade entre
todos.
-do capital
material sempre limitado e exaurível, para o capital espiritual e humano
ilimitado feito de amor, solidariedade, respeito, compaixão e de uma
confraternização como todos os seres da comunidade de vida;
-de uma
sociedade antropocêntrica, separada da natureza, para uma sociedade biocentrada
que se sente parte da natureza e busca ajustar seu comportamento à lógica do
processo cosmogênico que se caracteriza pela sinergia, pela interdependência de
todos com todos e pela cooperação.
Se é
perigosa a Grande Transformação da sociedade de mercado, mais promissora ainda
é a Grande Transformação da consciência. Triunfa aquele conjunto de visões,
valores e princípios que mais congregam pessoas e melhor projetam um horizonte
de esperança para todos. Essa seguramente é a Grande Transformação das mentes e
dos corações a que se refere a Carta da Terra. Esperamos que se consolide,
ganhe mais e mais espaços de consciência com práticas alternativas até assumir
a hegemonia da nossa história.
Há um
documento acima citado a Carta da Terra por seu
alto valor de inspiração e gerador de esperança. Ela é fruto de uma vasta
consulta dos mais distintos setores das sociedades mundiais, desde os povos
originários, das tradições religiosas e espirituais até de notáveis centros de
pesquisa. Foi animada especialmente por Michail Gorbachev, Steven Rockfeller, o
ex-primeiro ministro da Holanda Lubbers, Maurice Strong, sub-secretário da ONU
e Mirian Vilela, brasileira que, desde o início coordena os trabalhos e dirige
o Centro na Costa Rica. Eu mesmo faço parte do grupo e tenho colaborado na
redação do documento final e de sua difusão por onde posso.
Depois de
8 anos de intensos trabalhos e de encontros frequentes nos vários continentes,
surgiu um documento pequeno mas denso que incorpora o melhor da nova visão
nascida das ciências da Terra e da vida, especialmente da cosmologia
contemporânea. Ai se traçam princípios e se elaboram valores no arco de uma
visão holística da ecologia, que podem efetivamente apontar um caminho
promissor para a humanidade presente e futura. Aprovado em 2001 foi assumido
oficialmente em 2003 pela UNESCO como um dos materiais educativos mais
inspiradores do novo milênio.
A
Hidrelétrica Itaipu-Binacional, a maior do gênero no mundo, tomou a sério as
propostas da Carta da Terra e seus dois diretores Jorge Samek e Nelton
Friedrich conseguiram envolver 29 municípios que bordeiam o grande lago onde
vive cerca de um milhão de pessoas. Deram início de fato a uma Grande
Transformação. Lá se realiza efetivamente a sustentabilidade e se aplica o
cuidado e a responsabilidade coletiva em todos os municípios e em todos os
âmbitos, mostrando que, mesmo dentro da velha ordem, se pode gestar o novo
porque as pessoas mesmas vivem já agora o que querem para os outros.
Se
concretizarmos o sonho da Terra, esta não será mais condenada a ser para a
maioria da humanidade um vale de lágrimas e uma via-sacra de padecimentos. Ela
pode ser transformada numa montanha de bem-aventuranças, possíveis à nossa
sofrida existência e uma pequena antecipação da transfiguração do Tabor.
Para que
isso ocorra, não basta sonhar, mas importa praticar.
Leonardo Boff escreveu A opção-Terra: a salvação da Terra não
cai do céu, Record 2009.
http://leonardoboff.wordpress.com/2014/08/08/promessas-de-outro-tipo-de-transformacaoiii/
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