sexta-feira, 8 de agosto de 2014

Promessas de outro tipo de Transformação(III)

Dinâmica de fortalecimento no encontro do Fórum da Amazônia Oriental (FAOR) em Altamira (Rio Xingu antes da construção de Belo Monte, Pará, Foto:Vânia Carvalho

Leonardo Boff
Para pormos em curso outro tipo de Grande Transformação que nos devolta a sociedade com mercado e elimine a deletéria sociedade unicamente de mercado, precisamos fazer algumas travessias improstergáveis. A maioria delas está em curso mas elas precisam ser reforçadas. Importa passar:
-do paradigma Império, vigente há séculos para o paradigma Comunidade da Terra;
-de uma sociedade industrialista que depreda os bens naturais e tensiona as relações sociais para uma sociedade de sustentação de toda a vida;
-da Terra tida como meio de produção e balcão de recursos sujeitos à venda e à exploração para a Terra como um Ente vivo, chamado Gaia, Pacha Mama ou Mãe Terra;
-da era tecnozoica que devastou grande parte da biosfera para a era ecozoica pela qual todos os saberes e atividades se ecologizam e juntas cooperam na salvaguarda da vida.
-da lógica da competição de se rege pelo ganha-perde e que opõem as pessoas para a lógica da cooperação do ganha-ganha que congrega e fortalece a solidariedade entre todos.
-do capital material sempre limitado e exaurível, para o capital espiritual e humano ilimitado feito de amor, solidariedade, respeito, compaixão e de uma confraternização como todos os seres da comunidade de vida;
-de uma sociedade antropocêntrica, separada da natureza, para uma sociedade biocentrada que se sente parte da natureza e busca ajustar seu comportamento à lógica do processo cosmogênico que se caracteriza pela sinergia, pela interdependência de todos com todos e pela cooperação.
Se é perigosa a Grande Transformação da sociedade de mercado, mais promissora ainda é a Grande Transformação da consciência. Triunfa aquele conjunto de visões, valores e princípios que mais congregam pessoas e melhor projetam um horizonte de esperança para todos. Essa seguramente é a Grande Transformação das mentes e dos corações a que se refere a Carta da Terra. Esperamos que se consolide, ganhe mais e mais espaços de consciência com práticas alternativas até assumir a hegemonia da nossa história.
Há um documento acima citado a Carta da Terra por seu alto valor de inspiração e gerador de esperança. Ela é fruto de uma vasta consulta dos mais distintos setores das sociedades mundiais, desde os povos originários, das tradições religiosas e espirituais até de notáveis centros de pesquisa. Foi animada especialmente por Michail Gorbachev, Steven Rockfeller, o ex-primeiro ministro da Holanda Lubbers, Maurice Strong, sub-secretário da ONU e Mirian Vilela, brasileira que, desde o início coordena os trabalhos e dirige o Centro na Costa Rica. Eu mesmo faço parte do grupo e tenho colaborado na redação do documento final e de sua difusão por onde posso.
Depois de 8 anos de intensos trabalhos e de encontros frequentes nos vários continentes, surgiu um documento pequeno mas denso que incorpora o melhor da nova visão nascida das ciências da Terra e da vida, especialmente da cosmologia contemporânea. Ai se traçam princípios e se elaboram valores no arco de uma visão holística da ecologia, que podem efetivamente apontar um caminho promissor para a humanidade presente e futura. Aprovado em 2001 foi assumido oficialmente em 2003 pela UNESCO como um dos materiais educativos mais inspiradores do novo milênio.
A Hidrelétrica Itaipu-Binacional, a maior do gênero no mundo, tomou a sério as propostas da Carta da Terra e seus dois diretores Jorge Samek e Nelton Friedrich conseguiram envolver 29 municípios que bordeiam o grande lago onde vive cerca de um milhão de pessoas. Deram início de fato a uma Grande Transformação. Lá se realiza efetivamente a sustentabilidade e se aplica o cuidado e a responsabilidade coletiva em todos os municípios e em todos os âmbitos, mostrando que, mesmo dentro da velha ordem, se pode gestar o novo porque as pessoas mesmas vivem já agora o que querem para os outros.
Se concretizarmos o sonho da Terra, esta não será mais condenada a ser para a maioria da humanidade um vale de lágrimas e uma via-sacra de padecimentos. Ela pode ser transformada numa montanha de bem-aventuranças, possíveis à nossa sofrida existência e uma pequena antecipação da transfiguração do Tabor.
Para que isso ocorra, não basta sonhar, mas importa praticar.
Leonardo Boff escreveu A opção-Terra: a salvação da Terra não cai do céu, Record 2009.

http://leonardoboff.wordpress.com/2014/08/08/promessas-de-outro-tipo-de-transformacaoiii/

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