Foto:Vânia Carvalho |
Por Leonardo Boff
FRITJOF CAPRA é um dos pensadores
mais importantes no campo da ecologia entendida como novo paradigma. Amigo e
interlocutor, juntos temos acompanhado o grande projeto CULTIVANDO AGUA BOA da
Itaupu Binacional que ele considera como um dos experimentos ecológicos mais
bem sucedidos do mundo. Ofereceu-se para escrever o prefácio do livro que
escrevi com o pedagogo/cosmólogo Mark Hathway, O Tao da Libertação:explorando
a ecologia da transformação, Vozes 2012. Publicamos aqui o resumo desta
conferencia dada no Brasil nos inícios de julho porque esclarece este
conceito tão usado e tão mal compreendido: sustentabilidade. Seus livros
‘O Tao da Física’ e ‘Teia da Vida’ são fundamentais para entender
as posições mais avançadas e cientificamente mais bem fundadas da ecologia. A
reportagem foi publicada no site Carbono Brasil, 08-08-2013 e no
IHU de 10/08/2013: Lboff
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Começa Capra dizendo que conceito de sustentabilidade, que tem assumido
diversas formas desde a sua concepção na década de 1980.
“Não é o que os economistas gostam de falar – sobre crescimento
econômico e vantagens competitivas”, colocou. “Uma comunidade sustentável deve
ser desenvolvida de forma que a nossa forma de viver, nossos negócios, nossa
economia, tecnologias, e estruturas físicas não interfiram na capacidade da
natureza de sustentar a vida. Devemos respeitar e viver de acordo com isto”.
Os primeiros passos para tal seriam
entender como a natureza sustenta a vida, isso envolve toda uma nova
compreensão ecológica, um pensamento sistêmico, explica Capra.
“Não podemos mais enxergar o universo como uma máquina, composta de
blocos elementares. Descobrimos que o mundo material é principalmente uma rede
inseparável de relações. O planeta é um sistema vivo e auto-regulado. A evolução
não é uma luta competitiva pela existência, mas sim uma dança cooperativa.”
Nesta nova ênfase na complexidade, as
redes são o padrão básico da organização dos seres vivos. Os ecossistemas são
uma rede de organismos, por exemplo. Para compreender as redes, Capra explica
que precisamos pensar em termos de relacionamentos, de padrões.
“Isto é o pensamento sistêmico. É compreender que a natureza tem
sustentado a ‘Teia da Vida’ por milhões de anos e que para isto são necessários
ecossistemas e não apenas organismos ou espécies.”
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Alfabetização Ecológica
Nas próximas décadas, a sobrevivência da humanidade vai depender da
nossa capacidade de entender os princípios básicos da ecologia e de viver de
acordo com eles, ressalta o físico. Isso significa que a alfabetização
ecológica precisa se tornar um campo crítico para políticos, líderes
empresariais e profissionais de todas as áreas, além de ser a parte mais
importante da educação em todos os níveis.
“Quando pensamos sobre os maiores problemas, o surpreendente é que estão
interconectados. Não temos apenas uma crise econômica, ou ecológica, ou de
pobreza, ou financeira, elas estão todas conectadas. Esses problemas
não podem ser compreendidos isoladamente. São sistêmicos, interdependentes e
precisam de soluções correspondentes”.
Capra elogiou o Programa
Água Boa, desenvolvido pela Itaipu Energia,
classificando a iniciativa como um “exemplo muito bonito de solução sistêmica”.
“Analisando os problemas atuais dessa forma sistêmica, podemos constatar
que a questão subjacente é a ilusão que o crescimento infinito pode continuar
em um planeta finito. Os economistas, com o seu pensamento linear, parecem não
entender”, lamenta o físico.
“Nosso sistema econômico é movido
pela ganância e pelo materialismo, pensando que não há limites. Isto resulta
nas diferenças imensas entre o preço de mercado e o verdadeiro custo, como é
visto com os combustíveis fósseis. Ouvimos sobre o gás de xisto e o novo
processo de ‘fracking’ – ouvimos que é muito barato, mas o fato é que devasta o
ambiente e é tóxico para as pessoas (..) O pensamento linear leva a concluir
que o xisto é muito barato, mas se pensarmos nisso sistemicamente, ele é muito
caro e perigoso”, explica Capra.
“No centro da economia global está uma rede de crescimento financeiro,
criado sem qualquer enquadramento ético. Hoje, se você é especulador pode
investir em qualquer projeto ao redor do mundo e computadores levam uma fração
de segundo para movimentar dinheiro. O único critério é lucrar (..) não há
critérios éticos envolvidos nesta economia global. Exclusão social e
desigualdades são elementos inerentes desta globalização.”
O crescimento indiscriminado é na verdade “uma doença”, nota,
completando que o desafio elementar é como mudar do crescimento ilimitado para
um sistema ecologicamente sustentável e socialmente justo.
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Crescimento qualitativo
Para Capra, o crescimento
zero não é a resposta, pois crescer é uma característica central da vida.
“Na natureza o crescimento não é linear e ilimitado. Em um ecossistema,
uns crescem mais, outros declinam e assim reciclam seus componentes, que se
tornam recursos para um novo crescimento. Há um crescimento multifacetado,
qualitativo, que contrasta com o quantitativo pregado atualmente por
economistas”.
Assim como outros grandes pensadores, Capra questiona
o uso preponderante Produto Interno Bruto (PIB) para medir a
saúde dos países.
Custos sociais como acidentes, guerras, mitigação e cuidados com a saúde
são adicionados e aumentam o PIB e o fato que o seu crescimento pode ser
patológico raramente é citado por economistas, alerta.
“Esse reconhecimento da falácia do crescimento econômico é essencial. É
o primeiro passo para superar a atual crise econômica global (..) Grande parte
do que se chama de ‘crescimento’ é lixo e destruição.”
O verdadeiro crescimento, explica, melhora a qualidade de vida e aumenta
a sua complexidade, sofisticação e maturidade.
“Isto faz parte de uma mudança de paradigma de quantidade para
qualidade. O crescimento qualitativo é consistente com a nova concepção
científica da vida”, explica. “Não se pode medir a natureza de um sistema
complexo, como os ecossistemas, a sociedade ou a economia, em termos puramente
quantitativos.”
Para Capra, a qualidade
não pode ser agregada em um único número. “Então, como seria possível promover
o crescimento qualitativo? Definitivamente não através do PIB”.
“Precisamos distinguir o bom do ruim para que os recursos naturais
presos a processos ruins possam ser direcionados para os eficientes e
sustentáveis”, comentou. “O crescimento ruim é aquele que gera externalidades
ambientais, econômicas e sociais e o bom envolve processos produtivos mais
eficientes, que usam energias renováveis, têm emissões zero, reciclam,
restauram ecossistemas e a apoiam as comunidades locais.”
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Construindo a qualidade
Entender as conectividades dos nossos
problemas globais e reconhecer soluções sistêmicas é a primeira lição para
construir a qualidade que precisamos hoje para a liderança global, segundo Capra.
Outra lição seria a construção de um ‘senso moral’.
A perspectiva sistêmica mostra que dois problemas urgentes, a
desigualdade econômica e as mudanças climáticas, resultam da estrutura
econômica e corporativa global que não têm ‘senso moral’, nota.
Um exemplo disso são as conclusões de
um estudo de 2012 apontando que os ricos globais somam juntos até US$ 32
trilhões. “Se eles tivessem um senso moral e pagassem seus impostos não haveria
mais crise. Haveria dinheiro suficiente”, ressaltou Capra.
Outro exemplo citado pelo físico se volta para as conclusões inequívocas
da ciência sobre as mudanças climáticas e a necessidade das empresas que
exploram combustíveis fósseis de abandonar os planos de exploração de 80% das
reservas contabilizadas em seus ativos.
“Elas estão dispostas a fazer isso? As empresas precisam se perguntar: o
meu modelo de negócios inclui a destruição do planeta? Ou tem uma alternativa
moral?”
Liderança e o Brasil
“Hoje temos conhecimento e tecnologia para a transição para um futuro
sustentável, não precisamos dos perigos da energia nuclear e nem de gás de
xisto. Podemos ir além dos combustíveis fosseis”, defendeu Capra.
“Precisamos de vontade política e liderança (..) O que em tempos
estáveis é diferente do que em tempos de crise ambiental e econômica, que é o
que temos hoje. A maioria dos problemas são globais, apesar da demanda por
lideranças em nível regional e corporativo, precisamos também de lideranças em nível
global”.
Capra ressalta que na atual crise global, o Brasil e a Alemanha estão
melhor posicionados do que a maioria dos países.
Ele comentou que nos Estados Unidos, Barack
Obama foi eleito com grandes esperanças, mas sucumbiu ao sistema
corrupto, e no fim, a riqueza dos pobres está sendo sistematicamente repassada
para os ricos. Porém, ele acredita que no Brasil a situação está melhor, apesar
da população não estar satisfeita.
“Programas como o Bolsa
Família e o Fome Zero reduziram a desigualdade
econômica ao retirar milhões de pessoas da pobreza, mas mesmo assim muitos
problemas de desigualdade e corrupção permanecem e ainda há muito trabalho a
ser feito.”
“O Brasil pode ser um líder global”,
ressaltou após assistir apresentações sobre o Programa Água Boa e
sobre as ações de sustentabilidade previstas para a Copa
de 2014. “Estes são ótimos exemplos de liderança global que precisam ser
divulgados. O que pode acontecer no ano que vem, já que todo o mundo vai olhar
para o Brasil”.